Presidente contém arroubos para evitar que onda antibolsonarista liquide a parada no primeiro turno
Por Maria Cristina Fernandes (foto)
A contenção do presidente no “Jornal Nacional” é parte de sua estratégia para evitar que a onda do antibolsonarismo contamine a reta final da campanha e favoreça uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno.
Ao conter a propensão ao escárnio, Jair Bolsonaro não quis dar motivos para que seu eleitor se movesse em busca de tempos mais normais. Quis evitar, ainda, que os eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet tomem a raia do voto útil em Lula movidos por um basta a seus arroubos e à vergonha de ser bolsonarista. Sai a lacração e entra o bom moço.
Beneficiado pelo antipetismo em 2018, Bolsonaro agora teme o inverso. Por isso, conteve-se ante os questionamentos sobre o boicote do governo à prevenção na pandemia, o autoritarismo e o desleixo na educação.
Em 2018, além de Fernando Haddad, o antipetismo derrubou também o ex-governador Geraldo Alckmin. Em São Paulo, Estado que governou por quatro mandatos, Alckmin terminou em quarto lugar, com menos de dois dígitos, e Bolsonaro liderou, com 53% dos votos, sete pontos percentuais acima do desempenho nacional. No cômputo geral, Alckmin obteve 4,7% dos votos, quando as pesquisas lhe davam o dobro nas semanas que antecederam o primeiro turno.
A placidez do presidente começou a ser desafiada no dia seguinte ao “JN”, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão e a quebrar os sigilos bancário e telefônico dos empresários bolsonaristas investigados por suposta organização criminosa contra o Estado de direito.
A operação respondeu a uma ação protocolada por entidades civis depois que o jornalista Guilherme Amado divulgou a existência do grupo de WhatsApp. Foi colocada uma ratoeira na toca da contenção em que Bolsonaro buscou refúgio, mas ele tem sido capaz de contorná-la. A primeira reação do presidente, num encontro empresarial em São Paulo, no mesmo dia da operação da PF, foi contida, mas o maior teste virá mesmo no debate de estreia entre candidatos no domingo.
A atitude igualmente ponderada de Ciro Gomes no “JN” também favorece Bolsonaro. Ao conter a verborragia, reconhecer a agressividade e falar com mais humildade do que de costume, o candidato do PDT também se mostrou disposto a lutar para manter seu eleitor até o fim.
Não vai ser fácil. Ciro arrisca ter o pior desempenho das quatro disputas presidenciais de que participou, com votações decrescentes, desde 1998. A começar do seu Estado, onde venceu nas três vezes (1998, 2002 e 2018). Agora Ciro enfrenta um racha na aliança local entre PDT e PT e está em 3º lugar na escolha presidencial dos cearenses.
Um abandono de Ciro pelo voto útil pró-Lula, porém, é um movimento de mais difícil coordenação que o de Alckmin em 2018 porque pulverizado no país. Apesar de não liderar no seu Estado, é no Ceará que vai melhor nas pesquisas, com uma média de 14% dos votos. Acontece que o Ceará tem apenas 4% do eleitorado nacional, menos de um quinto do paulista (22%).
Um movimento de voto útil pró-Lula tem uma terceira dificuldade. Ao contrário do antipetismo de 2018, o antibolsonarismo ainda está por demonstrar o mesmo enraizamento nos palanques locais. Dificilmente o fará com a mesma força do movimento que impediu a volta do PT ao poder quatro anos atrás porque o vento da antipolítica estancou.
Bolsonaro não apenas fez do PSL a maior bancada na Câmara, como tirou Wilson Witzel (RJ), Ibaneis Rocha (DF) e Comandante Moisés (SC) do anonimato, alavancou as candidaturas de João Doria (SP), Eduardo Leite (RS) e Romeu Zema (MG) e colocou no Senado nomes improváveis como Major Olimpio (SP), Arolde de Oliveira (RJ), Eduardo Girão (CE) e Styvenson Valentim (RN).
Se este movimento não existe mais, tampouco se vê o inverso. Na montagem dos palanques do PT não há argamassa que dê a Lula a amplidão de 2002, quando o ex-presidente ganhou em 26 unidades da Federação. Mas seu desempenho até aqui sugere que vá muito além dos 9 Estados vencidos por Fernando Haddad em 2018 - todo o Nordeste (menos o Ceará), e o Pará.
O PT tem aberto flancos impensáveis em 2018, a começar pelo Rio Grande do Sul. Apesar de a candidatura petista ao governo ser pouco competitiva, a cola entre o bolsonarismo e o ex-ministro e candidato do PL, Onyx Lorenzoni, pode levar Eduardo Leite (PSDB) a um pacto de sobrevivência com Lula.
A candidatura do ex-governador gaúcho Olívio Dutra ao Senado é o principal palanque petista da região. Em Santa Catarina está difícil para Lula até organizar uma viagem, duas vezes adiada. E, no Paraná, o governador Ratinho Jr. caminha tão confortavelmente para a reeleição que Roberto Requião ameaça jogar a toalha.
No Sudeste, Lula mantém vantagem mais larga em São Paulo do que no Rio e se esparrama confortavelmente em Minas. Favorito à reeleição no Estado, Zema já disse que com Lula não vai. A declaração foi entendida, no PT, como uma tentativa de barrar o crescimento do senador Carlos Viana (PL), palanque bolsonarista no Estado. Ex-locutor de rádio e ex-apresentador de TV, Viana pode surpreender com o início do horário eleitoral gratuito, tirar votos de Zema e forçar um segundo turno deste com Alexandre Kalil (PSD).
No Norte, Lula mantém-se favorito no Pará, aliado àquele que é o governador mais bem posicionado à reeleição, Helder Barbalho (MDB), está à frente no Amazonas, enfrenta as mesmas dificuldades de 2018 em Rondônia e Roraima e pode recuperar terreno no Amapá, onde dois candidatos de centro-esquerda disputam o governo, e no Acre, onde os irmãos Vianna, Jorge e Tião, tentam voltar ao jogo.
A recuperação de espaços no Sudeste pode garantir a Lula o colchão de votos para encarar o revés no Centro-Oeste, que não apenas é dominado por Bolsonaro como tem duas outras candidaturas presidenciais, Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronickle (União). A cassação do deputado federal Neri Geller (PP-MS) pelo TSE, privou Lula de seu principal articulador na região e no agronegócio.
De 2018 para cá, esvaíram-se 10 milhões de votos de Bolsonaro. Apesar da maior deflação das últimas décadas, o presidente terá dificuldade em recuperar o poder de compra dos mais pobres em curto espaço de tempo. Além de expor, para além da bolha, cenas como a imitação da vítima de Covid, a TV cotejará os legados. Contra a comparação, que lhe desfavorece, faz o que lhe resta: jogar Lula na fogueira do fundamentalismo religioso e posar de bom moço.
O Estado de São Paulo