Por: Célia Chaim e Eliane Lobato (ISTOÉ Online)
Sem ajuda do governo, voluntários fazem comque 56 milhões de brasileiros consigam comer
Carolyne, dois anos, é filha de Monalisa, 17. Mas não são apenas esses nomes nobres que elas carregam com orgulho. Ela, a mãe, representa centenas e centenas de mulheres que moram numa das maiores favelas de São Paulo, a Paraisópolis, na zona sul da cidade, com 50 mil habitantes. Ali é fato: ninguém passa fome, embora saiba bem o que é isso. A comida vem graças à União dos Moradores da Paraisópolis, entidade mantida por doações generosas. Na hora do almoço, crianças e idosos fazem fila na porta do refeitório. Terça-feira 9 o cardápio era arroz, feijão, macarrão e lingüiça, aguardado pelas crianças com água na boca. Tudo o que recebem vem exclusivamente de doações. Se alguma autoridade esteve por lá, foi passagem relâmpago, suficiente para deixar promessas não cumpridas. “Neste ano eles vêm porque terá eleição, mas nós não acreditamos mais”, diz a voluntária Graça, moradora do bairro. Com comida, escolas, creches, esportes e até aulas de inglês, além de muitos voluntários, Paraisópolis chegou a um nível em que dispensa a demagogia de políticos e a ajuda do governo.
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Na promessa: Lula anunciou na posse que acabaria com a fome no País. Fez mais do que os antecessores, masnão cumpriu a meta
O Brasil produz alimentos com abundância. E tem recursos naturais de sobra para resolver rapidamente as carências alimentares de todos os seus habitantes. Por tudo isso, é incrível que 56 milhões de pessoas no País encontrem, de alguma maneira, dificuldade para comer todo dia. Só conseguem trocar o prato de farinha com água por outro com arroz, feijão e “mistura” (carnes e legumes) porque uma corrente de pessoas e instituições civis, sem esperar e muito menos receber auxílio do governo, ajuda essa pobre massa. Esses socorridos vivem na faixa da indigência, com renda mensal individual inferior a R$ 79. Um valor insuficiente até mesmo para comprar alimentos com o mínimo de calorias para manter de pé, com dignidade, uma pessoa o mês inteiro. O presidente Lula fez mais do que seus antecessores no combate à fome. Apesar disso, chega ao final de seu mandato sem cumprir a promessa feita na posse: “No meu governo todos os brasileiros vão tomar café da manhã, almoçar e jantar.” A verdadeira revolução que ele faria – e não fez – não está totalmente perdida graças a esses grupos não governamentais que, patrocinados por empresas privadas, combatem a fome em várias frentes, da música ao esporte, da educação à tecnologia.
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Carência: milhões vivemcom menos de R$ 79 por mês. Por isso, falta dinheiro para comprar até ascalorias necessárias
Oberlan Motta, 53 anos, distribui quentinhas para moradores de rua no subúrbio do Rio de Janeiro. Na terça-feira 9, reconheceu um antigo companheiro de escola entre os miseráveis que esperavam na fila. Ambos estudaram na Escola Técnica de Niterói e se emocionaram com o reencontro. Motta é um dos 400 voluntários fixos da entidade Movimento de Amor ao Próximo (MAP), que nasceu há mais de duas décadas para distribuir alimentos, roupas e remédios para moradores de rua. A organização é ecumênica, mas a maioria dos voluntários é kardecista. Não recebe verba pública, só doações. Atua em bairros de subúrbio do Rio, como Ilha do Governador, Rocha Miranda, Manguinhos e Jacarepaguá. Hoje, distribuem dez mil quentinhas por mês. A comida é servida acompanhada de talheres de plástico e água. “Eles pedem muita água, principalmente as crianças que cheiram cola. Ficam ressecadas e precisam de líquido”, diz.
Motta costuma ouvir dos amigos que é um louco por fazer caridade “para esses vagabundos!” E responde: “Sou louco sim, espero morrer louco. Se tivesse mais malucos como eu, não teríamos tanta violência no mundo.” E os “loucos” se multiplicam em associações e entidades. A dona-de-casa carioca Delclemir Ferraz Dias, 54 anos, é uma. Ela é um dos pilares do comitê Fraternidade Sol, ligado à ONG Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. Assim como Motta, partiu para a ação no combate à fome. “Não aceitamos políticos. Nosso trabalho é todo feito graças à boa vontade de pessoas comuns que querem ajudar”, diz ela. Del, como é conhecida, distribui sopa para moradores de rua. Seu “ponto” é na praça Cruz Vermelha, no centro do Rio. “Temos 40 famílias cadastradas para receber, o ano todo, cestas básicas. E distribuímos cerca de 100 caixinhas de sopa por noite”, explica.
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Panelas cheias: as cozinheirasIvaneide, Adalgisa e Maria numafavela de São Paulo: comidapara crianças todos os dias
As caixas a que ela se refere são embalagens de leite recolhidas por voluntários, recicladas e reaproveitadas como recipiente para a sopa. Del trabalha como poucos voluntários e recebe doações de restaurantes como o Cheio de Vida, o mais assíduo, doador há cinco anos. Ela diz que sua ação “não é apenas dar comida”. E explica: “É um meio de não só matar a fome, mas também conversar, dar uma ajuda, tentar encontrar empregos, dar apoio moral, mostrar que tem alguém preocupado com eles, que não estão sozinhos.” Segundo ela, há “pessoas boas” nas ruas. “Muitos são viciados sim, mas o álcool é uma fuga. Eles foram abandonados pela família, pelo Estado... Beber é uma maneira de esquecer.”
Entre os voluntários do comitê de Del está o jovem Rafael Bteshe, 22 anos, carioca, morador de Ipanema. Filho de pais médicos, é estudante de artes plásticas da UFRJ e integra a banda Ruah. Ele ajuda a distribuir sopa duas vezes por semana. “Acho que é o mínimo que posso fazer.” Morador de rua, Luiz Francisco da Silva, 52 anos, nasceu em Macaé, interior do Rio de Janeiro, e vive abandonado nas ruas da capital. “Tô desempregado há anos”, justifica. Ex-marceneiro e ajudante de camelô, hoje ele vive como “catador de latinhas” para reciclagem. “Ontem, catei dois quilos de latinhas, vendi por R$ 5,80, deu para almoçar”, diz. Luiz não tem planos para o futuro. Seus projetos mais longos são estar vivo e assistir aos jogos da Copa no telão que será instalado na Central do Brasil, no Rio. “Se o Brasil ganhar a Copa, as coisas vão melhorar”, acredita.
Esperar dádivas que virão com o futebol é bobagem. Com a música, a Associação Meninos do Morumbi, de São Paulo, resgatou da fome, da pobreza aguda e da violência mais de quatro mil crianças e adolescentes pobres de toda a região – Campo Limpo, Paraisópolis, Vila Sonia, Real Parque, Jardim Jaqueline, Morumbi pobre (existe sim e é grande), Caxingui e os municípios de Taboão da Serra e Embu. O show do grupo é o produto das oficinas de canto, dança e percussão. Integram o repertório músicas folclóricas do Brasil e da África, do universo pop, dos cultos brasileiros e composições próprias. A banda fez em torno de 500 shows no Brasil e na Europa (Inglaterra e França) desde 1996. Eles se apresentaram em grandes teatros e festivais no Brasil e no Exterior, como o Teatro Municipal, Sala São Paulo e no nobre Royal Festival Hall, em Londres. Gravaram CDs com grandes nomes da música brasileira e internacional. É na associação que eles, dia a dia, recuperam sua cidadania. Eles se orgulham do que fazem – o que seria impossível se Flávio Pimenta não tivesse criado a associação.
Os Meninos do Morumbi se mantêm em pé porque comem o ideal para arrebentar nos instrumentos musicais (de 2.000 a 2.500 calorias diárias). Diz a medicina que não dá para tapear o estômago: 100 calorias abaixo desse patamar por dia e já se vive com uma fome crônica e se é vítima das conseqüências que a subnutrição traz à saúde, como o fraco desenvolvimento físico e intelectual do indivíduo. O recado final, da Food and Agriculture Organization, a FAO, das Nações Unidas, é direto: “É hora de os países descobrirem porque milhões de pessoas passam fome em um mundo que produz alimentos mais do que suficientes para cada homem, mulher e criança.” Poucas questões são tão adequadas ao Brasil como essa.
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