
Charge do Gilmar (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
A reportagem publicada por O Globo ontem, trouxe à tona um dado que, embora previsível, soa como um alarme de maior intensidade: as mensalidades escolares em 2026 deverão subir, em média, o dobro da inflação registrada em 2025. Em números, isso significa que, diante de um INPC acumulado em torno de 5%, os aumentos projetados pelas instituições privadas giram entre 8% e 12%.
Esse descompasso não é um detalhe estatístico. Ele representa um choque direto no cotidiano das famílias brasileiras, especialmente da classe média, que vê na escola particular a única alternativa diante de uma rede pública fragilizada. O reajuste educacional, quando comparado à evolução real da renda, desnuda uma equação cada vez mais desequilibrada: salários corroídos, inflação que pesa mais no carrinho do supermercado do que nos índices oficiais e a escalada de custos em serviços essenciais.
ENDIVIDAMENTO – A Confederação Nacional do Comércio (CNC) e o próprio Banco Central já apontaram que mais de 71% das famílias brasileiras convivem com algum nível de endividamento. A inadimplência, somada à perda de poder aquisitivo, não deixa margem de manobra para absorver despesas adicionais sem que haja cortes em outras áreas da vida doméstica. O efeito é perverso: para sustentar a educação dos filhos, pais e mães se veem forçados a abrir mão de lazer, saúde, investimentos pessoais e, em casos extremos, acumulam dívidas impagáveis.
No entanto, a questão não se limita ao bolso. Há uma implicação social mais profunda. A educação privada, que já era cara, caminha para se tornar um privilégio restrito. Se o cenário se confirmar, a tendência é de reforço das desigualdades, com a elite mantendo acesso a escolas de alto padrão e a maioria esmagadora da população sendo empurrada para uma rede pública sobrecarregada e carente de investimentos. A consequência, previsível, é a cristalização das barreiras sociais que o Brasil deveria estar se esforçando para derrubar.
Há ainda outro ponto delicado: a falta de transparência no cálculo desses reajustes. As escolas argumentam que a pressão inflacionária nos salários de professores, a modernização tecnológica e a manutenção da infraestrutura explicam os aumentos acima da inflação. Mas o consumidor — neste caso, as famílias — raramente tem acesso a uma prestação de contas detalhada que justifique reajustes tão robustos. Sem clareza, a percepção dominante é de que há abuso, alimentando um sentimento de impotência.
CAMINHOS – Diante disso, surgem alguns caminhos inevitáveis. O primeiro é político: o fortalecimento da educação pública como alternativa de qualidade, que retire da classe média a sensação de estar aprisionada à rede privada. O segundo é regulatório: maior fiscalização sobre os reajustes, exigindo critérios claros e transparência na definição dos percentuais. O terceiro é econômico: discutir políticas salariais e de crédito que possam aliviar o peso dessa despesa sem agravar ainda mais o endividamento das famílias.
O Brasil, hoje, move a sua economia sobre o pilar do crédito, o que faz com que cada reajuste acima da inflação funcione como um empurrão em direção ao endividamento. A escola, que deveria ser sinônimo de esperança, se torna mais um boleto sufocante. E esse é talvez o retrato mais duro da crise brasileira: a promessa de futuro para os filhos está sendo sacrificada no presente de contas impagáveis.
Se a educação continuar a ser tratada como mercadoria de luxo, o país não apenas limitará o acesso ao conhecimento, mas comprometerá seu próprio desenvolvimento. Afinal, sem formação ampla e inclusiva, não há futuro sustentável para nenhuma nação.