A combinação de mensagens do futuro governo acentuou as dúvidas em relação às políticas que serão adotadas
Não foi uma surpresa o resultado decepcionante dos leilões de infraestrutura realizados na semana passada. O apetite dos investidores foi certamente afetado pela transição de governo e pelas sinalizações ainda incompletas dadas pelo futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo cenário doméstico e internacional. O leilão de ontem da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que teve apenas um interessado e saiu praticamente pelo preço mínimo, também foi influenciado, embora tivesse suas próprias incertezas jurídicas.
O que mais deixou a desejar foi o primeiro leilão de áreas de partilha no pré-sal no modelo permanente. Apesar de ter incluído lotes apresentados anteriormente, que voltaram ao pregão por interesse do mercado, nem todos foram arrematados. Foram oferecidos 11 blocos, mas apenas quatro tiveram lance e a Petrobras estava em três. Em um deles, a estatal estará sozinha, em outro terá parceria da Shell e, no terceiro, da TotalEnergies, Petronas e QatarEnergy. A BP foi a única petroleira privada a arrematar uma área como operadora. De nove empresas habilitadas, três não participaram.
O bônus arrecadado somou R$ 916,252 milhões, volume aquém do projetado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que era de R$ 1,2 bilhão. Havia expectativa de que mais áreas recebessem proposta uma vez que as empresas do setor estão capitalizadas. Com o resultado, são esperados R$ 1,44 bilhão em investimentos pelas empresas vencedoras somente na primeira fase dos contratos.
No caso do leilão de transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foram arrematados todos os seis lotes, que abrangem quase 710 quilômetros em nove Estados. Mas o deságio médio foi de 38%, e o máximo chegou a 50%. Foram vencedoras a Cemig (lote 1), EDP Brasil (Lote 2), Taesa (Lote 3), EDF (Lote 4), Taesa (Lote 5) e Consórcio Olympus XIV - Alupar e Perfin (Lote 6).
Os leilões fecharam uma semana pródiga em indicações do próximo governo desfavoráveis às desestatizações. Na terça-feira, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse: “Vão acabar as privatizações nesse país. Já privatizaram quase tudo. Vai acabar, e nós vamos mostrar que algumas empresas públicas vão poder mostrar a sua rentabilidade”.
Lula deu essas declarações na mesma entrevista em que confirmou a escolha de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES, argumentando que “precisamos de alguém que pense em reindustrializar esse país, que pense em inovação tecnológica, de alguém que pense na geração de financiamento ao pequeno, grande e médio empresário para que esse país volte a gerar emprego”. A opção por Mercadante reacendeu os temores do mercado financeiro a respeito da estratégia do BNDES no futuro governo, com possível canalização de recursos para políticas que se mostraram erradas, como empréstimos subsidiados a grandes empresas ou ao exterior.
Pior do que isso foi a manobra da Câmara dos Deputados para alterar a Lei das Estatais em tempo recorde para contornar provável impedimento à nomeação de Mercadante, mas também de olho em facilidades para a entrada de políticos nas estatais. Bolsonaro fez uso político em indicações para a Petrobras. Mas agora a mudança de regra é mais ampla. De uma canetada, os deputados cortaram de 36 meses para 30 dias a quarentena exigida de pessoas que tenham ocupado cargos partidários ou participado de campanhas eleitorais para que possam atuar como presidentes ou diretores de empresas estatais ou conselheiros de agências reguladoras.
Outro sinal de alerta acendeu no mercado quando vazou a sugestão do grupo de Cidades do governo de transição de rever o Marco Legal do Saneamento Básico, bastante elogiado por ter enfrentado antigos problemas como a ineficiência do setor público e o uso político de estatais, que passam por cima dos terríveis índices de atraso na oferta de tratamento de esgoto e de água, com repercussões negativas na saúde da população e no ambiente. O grupo teria sugerido rever os estímulos à atuação do setor privado na área e as exigências de que as estatais competissem, e ainda retirar o poder da Agência Nacional de Águas e Saneamento (Ana) de editar regras para o setor.
Privatizar geralmente encontra obstáculos em qualquer governo. Até mesmo o liberal Paulo Guedes conseguiu realizar menos de um terço do R$ 1 trilhão da arrecadação com a privatização que prometia na campanha. Mas a combinação de mensagens do futuro governo acentuou as dúvidas em relação às políticas que serão adotadas. Em contraponto, as restrições fiscais indicam a necessidade de apoio do setor privado para realizar as atividades em que se sai melhor para que o governo possa se dedicar ao social.
Valor Econômico