Silvio Cascione
Estadão
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as emendas de relator, ou orçamento secreto, é muito importante para definir as bases da negociação entre o Palácio do Planalto e as lideranças do Congresso nos próximos quatro anos. Mas, mesmo com a derrubada desse mecanismo, é muito difícil imaginar, no atual sistema, o fim das emendas parlamentares como um todo.
Ainda haverá um volume importante de recursos federais destinado a obras locais por iniciativa dos parlamentares, e esse sistema continuará tendo papel muito importante no arranjo político em Brasília.
EQUILÍBRIO DO PODER – O que deve mudar de 2022 para 2023 é o equilíbrio de poder: quem detém mais influência sobre os parlamentares, se o presidente da Câmara, ou os ministros e líderes partidários, a depender do arranjo final.
As emendas são difíceis de acabar porque são parte central da estratégia política de um enorme contingente de parlamentares. Basta olhar para a campanha que os próprios deputados fizeram às vésperas da eleição. “Você sabe quem é o recordista em emendas?”
Esse tipo de pergunta não foi feita de forma pejorativa durante a campanha a deputado em Goiás; foi apenas um exemplo de um pedido explícito de voto para um candidato à reeleição. “Ele já nos ajudou com R$ 20 milhões, imagina o que não poderá fazer a mais pela nossa cidade”?
PEÇA DE CAMPANHA – Em um levantamento preliminar, analistas da Eurasia Group notaram que mais de cem parlamentares fizeram menção explícita às emendas nos últimos dias de campanha nas redes sociais – a grande maioria deles em tom positivo, e não de crítica. Apenas educação e saúde foram assuntos mais frequentes. Emendas parlamentares, e as obras que elas financiam, foram mais presentes na campanha do que pautas de costumes ou segurança pública, por exemplo.
Além de emendas, deputados também buscam acesso preferencial a cargos federais e a fundos de investimento. Tudo para manter uma rede de apoio em suas bases e se destacar em relação à concorrência. O clientelismo sustenta a carreira política de uma parcela grande do Legislativo.
Um dos grandes problemas do orçamento secreto é a falta de transparência, que permite o uso desses fundos para corrupção. É possível dar mais visibilidade para esses pagamentos sem ferir a lógica política que permite o uso desses recursos para a construção de uma base parlamentares.
HÁ CONTROVÉRSIAS… – Mas outros vícios do orçamento secreto são comuns aos outros tipos de emendas parlamentares, e de difícil solução.
Se todos os deputados receberem o mesmo montante, não fará nenhuma diferença pertencer ou não à base do governo. Se os critérios para distribuição de recursos forem totalmente definidos a priori, por critérios técnicos, nenhum deputado conseguirá usar o dinheiro para favorecer aliados locais.
Por isso, se as emendas deixassem totalmente de ser distribuídas por critérios políticos, o apetite do Congresso por recursos iria para outro lugar – e a diferença entre pertencer ou não ao governo se manifestaria ainda mais na distribuição de ministérios, cargos, e fundos federais.