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terça-feira, setembro 28, 2021

Governo Bolsonaro chega ao milésimo dia com três crises por mês, criadas por ele




Jair Bolsonaro chegou a discursar diante do Q.G. do Exército

No dia 8 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro abriu a reunião no terceiro andar do Palácio do Planalto pedindo a opinião de seus ministros sobre qual caminho deveria seguir: dar continuidade ao discurso radical dos atos de 7 de Setembro ou serenar os ânimos exaltados.

Com uma caneta nas mãos e uma folha de papel em branco, Bolsonaro disse que traçaria duas colunas com os votos de cada um dos auxiliares sobre o rumo que deveria tomar diante do ápice da tensão institucional que ele próprio criou com a cúpula do Judiciário. Alguns auxiliares defenderam que era hora de pacificar; outros argumentaram que o presidente deveria ouvir o “apelo das ruas” e não recuar.

ESTICAR A CORDA – O diálogo simboliza um movimento frequente ao longo dos mil dias de governo, completados hoje: levantamento do Globo mapeou cem crises no período, uma média de três por mês.

Bolsonaro estava prestes a esticar a corda mais uma vez quando foi convencido pelo ex-presidente Michel Temer a escrever uma carta pública apaziguando a relação com o STF, em geral, e com o ministro Alexandre de Moraes, em particular, já que o magistrado foi o destinatário do xingamento mais pesado (“canalha”) e da ameaça mais explícita — não cumprir decisões judiciais.

Apesar do gesto, a harmonia entre os Poderes foi abalada, e os limites das instituições, testados outra vez.

AVALIAÇÃO NEGATIVA – Pressionado pela queda de popularidade — 53% avaliam a gestão como ruim ou péssima, segundo os institutos Ipec e Datafolha —, por quase 600 mil mortes na pandemia, por 132 pedidos de impeachment e por investigações no STF e na CPI da Covid, o presidente tentou reagir elevando o tom de seus ataques em diversos momentos no curso do governo.

Nessa estratégia, voltou sua ira contra governadores, integrantes do Congresso, membros do Supremo, a imprensa, o vice, Hamilton Mourão, e até mesmo contra auxiliares que o incomodavam, casos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça), que pediu demissão acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

Ao todo, 19 ministros deixaram o governo, o que representa uma mudança a cada 52 dias. Durante a pandemia, por exemplo, antes da entrada de Marcelo Queiroga, a Saúde foi comandada por outros três gestores — um deles, Eduardo Pazuello, sem experiência prévia na área.

ATRASO DA VACINA – Um dos reflexos das interrupções é o atraso da vacinação da população brasileira — por outro lado, Bolsonaro insiste em defender medicamentos ineficazes, como fez durante o discurso na Assembleia Geral da ONU, provocando nova crise.

— A experiência do governo Bolsonaro é inédita na História do Brasil. Estamos usando para avaliar este governo a medida e os parâmetros que usamos para avaliar o gestor público. Só que esses parâmetros não são adequados, porque o governo Bolsonaro não se propõe nem a gerir a coisa pública nem a criar um projeto de futuro para o país — diz a historiadora Heloísa Starling, autora, com Lilia Moritz Schwarcz, de “Brasil, uma biografia” (Companhia das Letras) e professora da UFMG.

Boa parte das crises foi induzida por Bolsonaro, que chegou a participar de atos que pediam o fechamento do Congresso e do STF. Em um deles, em abril de 2020, discursou diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, com militantes pedindo a intervenção militar.

APOIO MILITAR – Na tentativa de demonstrar o apoio irrestrito das Forças Armadas, o presidente demitiu o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e trocou os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, um movimento inédito no período democrático.

A outra parte da crise foi gerada pelo próprio entorno de Bolsonaro e teve a participação do presidente. A demissão de Moro, até então estrela do time, virou um inquérito no STF e culminou em outras crises com a divulgação de um vídeo de uma outra reunião ministerial que entrou para a história, a do dia 22 de abril de 2020.

A gravação expôs um governo sem filtro. Revelou o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendendo que o Executivo deveria se aproveitar da crise do coronavírus para “ir passando a boiada” e mudar regras ambientais. Já o titular da Educação à época, Abraham Weintraub, apareceu dizendo que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no Supremo”.

ALÉM FRONTEIRAS – As turbulências vividas pelo governo Bolsonaro também extrapolaram as fronteiras. O presidente colecionou atritos com líderes mundiais, como Angela Merkel (Alemanha) e Emmanuel Macron (França), por causa do desmatamento da floresta amazônica, que tisnou a imagem do Brasil no exterior. Criou constrangimento diplomático ao declarar torcida nas eleições da Argentina e dos Estados Unidos e fez críticas à condução da pandemia pela China, principal parceiro comercial do Brasil.

Em meio às crises vividas pelo governo, a situação econômica do país foi se deteriorando. Se nos dois primeiros anos o Brasil conseguiu manter a inflação dentro das faixas da meta do Banco Central, em 2021 ela será mais que o dobro.

Considerado um dos “desafios urgentes” do país no programa de governo do candidato Bolsonaro, a fila de desemprego passou de 13 milhões de pessoas para as atuais 14,4 milhões.

TENSÕES À VISTA – A expectativa para os próximos 375 dias de governo, a contar de hoje até o primeiro turno das eleições de 2022, é que as tensões do governo sejam amplificadas — como ingrediente adicional, as pesquisas de intenção de voto apontam que o presidente perderia no segundo turno para os pré-candidatos presentes no tabuleiro hoje.

Essa queda de popularidade terá impacto na forma como Bolsonaro se comportará para manter arregimentada a sua base fiel de eleitores.

— Ele vai radicalizar muito ainda, porque não consegue ir para o segundo turno sem radicalizar, a não ser que a economia melhore muito. Não vejo Bolsonaro atenuar para absolutamente nada, porque ele precisa manter viva essa chama do radicalismo em 25% da população — analisa o cientista político Humberto Dantas, gestor de Educação do Centro de Liderança Pública.

Nota do blog Tribuna da Internet – Este resumo do governo veio assinado por cinco repórteres. Retirei seus nomes para livrá-los de passar ridículo. Dizer que Bolsonaro “foi convencido pelo ex-presidente Michel Temer a escrever uma carta pública apaziguando a relação com o STF, em geral, e com o ministro Alexandre de Moraes” é uma Superpiada do Ano. Na verdade, Bolsonaro jamais foi amigo de Temer, nunca se relacionaram na Câmara, pelo contrário. Além disso, ninguém consegue “convencer” Bolsonaro de nada, nem mesmo os amigos generais do Planalto. Na realidade, depois do vexame do dia 7 de Setembro, ele recebeu uma ordem – “mandaram” que procurasse Temer. Apenas isso. (C.N.)

O Globo / Tribuna da Internet

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