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domingo, janeiro 11, 2009

No Brasil nem os mortos estão livres de impostos

por Mario Guerreiro
Parafraseando Epicuro, podemos dizer: quando a vida é os impostos são, quando a vida não é os impostos não são. Caindo no popular: se há uma vantagem na morte, é que ela nos livra de uma série de aborrecimentos e contrariedades. Morto não tem que aturar chatos, pagar aluguel, condomínio e, principalmente: impostos.
Na realidade, os impostos são um mal necessário, pois o Estado é também um mal necessário e sem tributação como pagaríamos os serviços indispensáveis que ele nos presta? E é por isso que quanto menor o Estado, melhor para nosso bolso.
Mas o morto, como diz a própria palavra latina defunctus – que originou a portuguesa “defunto” – é aquele que está “fora de função”, quer dizer: aquele que já não exerce mais nenhuma atividade e, por isso mesmo, não compra, nem vende, não consome produtos, não possui nenhum veículo, etc.
Já dizia o Dr. Samuel Johnson, com seu indefectível British sense of humour: “Nesta vida só existem duas coisas certas: a morte e os impostos”. Claro está que estes últimos não se estendem desta vida para a cova, nem muito menos desta para outra vida.
Assim é e assim tem sido desde os mais vetustos tempos do faraó Tutankamon, mas parece que assim não será mais em Goiânia (GO) em que sua excelência, o prefeito Íris Rezende (PMDB) - num de seus momentos de sublime inspiração - decidiu instituir um IPTU dos defuntos. Juro que é mais pura verdade! Ainda bem que aí está O Globo, para evitar que eu passe por um mentiroso sensacionalista:
“GOIÂNIA __ Donos de sepultura nos cemitérios de Goiânia foram surpreendidos com a proposta de uma nova taxa municipal. Eles poderão ter que pagar, já em 2009, pela manutenção dos jazigos. O valor anual será estipulado conforme o tipo e o tamanho da sepultura”. (O Globo, 20/12/2008)
Reconhecemos que “manutenção dos jazigos” é uma expressão ambígua, pois pode estar se referindo à mera manutenção da propriedade pela qual o proprietário já pagou ou ao serviço de conservação, embora eu não consiga imaginar que tipo de conservação um jazigo possa precisar.
Como o ilustre alcaide conta com folgada maioria na Câmara de Vereadores – 27 dos 35 representantes do povo de Goiânia – não terá a menor dificuldade em aprovar essa lei escabrosa. De acordo ainda com O Globo, em 20/12/2008, a assessoria do prefeito declarou que a taxa é necessária à manutenção e à extensão dos serviços. Mais do que isso: segundo Walter Pereira, o novo tributo ajudará a manter em bom estado os túmulos de famílias que não podem pagar pela manutenção.
Eu só fico imaginando o que seja essa tal de “manutenção de túmulos”. Será que se trata de limpar titica dos pombos, lavar as lápides com um bom sabão? Será que túmulo se deteriora com o tempo? Confesso que não sei o que vem a ser um “túmulo em mau estado”, a menos que seja saqueado por ladrões em busca de dentes de ouro, coisa, aliás, que há muito saiu de moda. Nem bicheiro usa mais, a não ser nos romances e peças de Nelson Rodrigues.
A oposição, embora minoria irrisória, protestou alegando que o referido tributo é ilegal, uma vez que não consta do contrato com os cemitérios. Já o Presidente da Comissão Permanente dos Serviços Funerários, vereador Anselmo Pereira (PSDB) manifestou seu bom humor ao declarar: “A sociedade não suporta mais taxas abusivas. Se o projeto for aprovado, a pessoa terá que pagar pelo resto da morte”. E se a pessoa resolver não pagar? Que fará a prefeitura? Despejará o defunto?
Não parece que a prefeitura pretenda despejar os que já estão lá, mas parece que pretende cassar o direito de propriedade de futuros ocupantes de túmulos vazios, quer dizer: pessoas que compram sua última morada tendo a intenção ocupar a mesma num futuro próximo ou distante. Ao menos é o que se pode depreender da matéria de O Globo:
“Ele [o projeto da prefeitura] não estipula punição para inadimplentes. Porém permite que os cemitérios executem judicialmente as famílias devedoras que poderão perder o direito aos jazigos, abrindo a possibilidade para que sejam novamente comercializados”. Ora bolas, é de se supor que o proprietário de um jazigo já pagou - e não pagou pouco! - pelo mesmo. Sendo assim, o que quer o ilustre alcaide, que o dono do jazigo continue pagando pelo mesmo?!
Lembra o referido vereador da oposição que a prefeitura e os donos dos cemitérios já faturam com a venda de carneiros, serviços funerários, estacionamento e aluguel de sala para velórios. Além disso, um terreno num cemitério público em Goiânia custa em média R$1.250,00 e nos particulares esse preço é ainda maior variando conforme o tamanho e a localização da área.
Mas o gerente do cemitério Jardim das Palmeiras não se deu por vencido: aprovou a medida da prefeitura nos seguintes termos: “Aqui é um condomínio como outro qualquer. Não dá para administrar 15.000 jazigos sem verba.” Ora, se este é o caso por que não aumenta o preço dos terrenos e dos jazigos? Ou então muda de ramo para um negócio mais rendoso, desde que não levado à cabo ao arrepio da lei?!
Revista Jus Vigilantibus

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