Por: Liliana Pinheiro
A Operação Sanguessuga da Polícia Federal, que investiga o superfaturamento de ambulâncias com dinheiro federal e envolve dezenas de parlamentares, explica muito do atual estado de apatia da sociedade em relação ao governo Lula e ainda das manifestações tímidas da sociedade dita organizada. O caso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que decidiu não pedir o impeachment de Lula por envolvimento no mensalão, é típico. A entidade deixou claro que não viu condições políticas de levar adiante uma proposta desse quilate.
Convenhamos, não há mesmo, e isso tem muito menos a ver com as mágicas petistas para colocar o tal “povo” nas ruas em defesa do governo — capacidade que ainda está no campo do ilusionismo — do que se costuma imaginar. O problema, nesse caso, nem é o PT e sua base social, tornada clientelista e despolitizada com o passar dos anos. O problema é a absoluta falta de confiança da sociedade nos seus representantes.
Basta olhar para a Câmara e o Senado, que deveriam, até pelas investigações já feitas, estar na linha de frente de um movimento assim. As duas casas, porém, oferecem diariamente um espetáculo de contradições e de manobras dúbias, quando não de pura vadiagem prática e teórica.
Com as honrosas exceções de sempre, assistimos a um espetáculo de decadência política no Legislativo, que começa pela ausência de lideranças formais — as com cargos — comprometidas com as instituições e de políticos que tenham a coragem de fazer a diferença. Em muitos dos que parecem mais confiáveis, o que predomina é uma espécie de mediocridade falastrona que não faz história. Nos que parecem altamente suspeitos, resta sempre um rasgo de esperteza analítica: estão protegidos pelo fracasso coletivo de fiscalizar o Executivo e a si mesmos.
O Congresso Nacional está desmoralizado para deter a marcha petista rumo à impunidade. O eleitor tem de saber que está sozinho para vencer esse desafio. Basta fazer algumas contas. São dezenas os tais sanguessugas. Segundo o que vazou nesta terça do depoimento da assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino, seriam pelo menos 170 — todos devidamente nomeados para a Polícia Federal. Quantos são os mensaleiros? Foram 19 os processados no Conselho de Ética (acusados formalmente). Sabe-se que há listas com muitos outros nomes de suspeitos de receber dinheiro do valerioduto. Só nesses dois escândalos, já temos mais quase 200 parlamentares suspeitos de comprometimento em esquemas de corrupção.
As exceções de sempre fazem diferença. Fizeram no período mais turbulento da crise. Mas, vê-se mais claramente agora, não a ponto de provocar um desfecho minimamente razoável para tantos crimes cometidos. Para isso, teria de haver uma maioria confiável, não casos isolados de parlamentares idôneos.
Salvo um golpe de sorte para a oposição, como, por exemplo, depoimentos bombásticos de sílvios pereiras, a Operação Sanguessuga tem tudo para enfraquecer de vez o Congresso e jogar água na fervura da crise que poderia levar Lula e seu PT ao inferno eleitoral. E mesmo golpes de sorte não se sustentam se não forem bem trabalhados. Até aqui, não foram. Sempre há alguém da oposição disposto a um acordo em prol da corporação e da preservação de alianças regionais. Ainda mais num ano eleitoral. É bom lembrar ainda que, a estar certa a lista da assessora do Ministério da Saúde — só conhecida parcialmente —, os suspeitos estão por quase todos os lados: tem PT, claro, e seus aliados PTB e PL. Mas tem também PMDB e PFL. Outros podem aparecer no curso das investigações.
O problema do Orçamento não é a sua formulação, mas a sua execução, que continua tão aberta para a ação dos bandidos de colarinho branco quanto no tempo dos “anões” — quando, aliás, a expressão “colarinho branco” ainda tinha um ar de modernidade. Emendas de parlamentares se destinam a muitas finalidades. Depois das ambulâncias, o que mais virá?
O Congresso se tornou refém de si mesmo. Melhor para Lula. Pior para nós.
[liliana@primeiraleitura.com.br]
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