Por Cássio Schubsky
Montanhas de escândalos. Crise política atrás de crise política. Congresso em frangalhos. Afinal, os partidos políticos são fadados aos joguetes inescrupulosos do poder? A política é mesmo suja, todo mundo é corrupto e estamos definitivamente perdidos? Há salvação no reino (podre) da Dinamarca?
Antes que o leitor largue mão da leitura deste texto, esclareço que não defenderei o óbvio: a necessidade de uma reforma política ampla para minimizar os efeitos funestos das nossas seculares práticas políticas. O Brasil tem salvação: depois de muito dilúvio, haverá a bonança — só que, desta feita, para o povo, para a democracia, para os valores autênticos da cidadania ultrajada. E mais não digo, para não transformar este quadrado de papel em palanque.
Gostaria de abordar uma outra faceta do ato de fazer política. Falar dos círculos de debates, dos cenáculos, dos grupos informais de encontros que tanto bem podem fazer às comunidades, às cidades e até ao país, quiçá ao mundo inteiro.
Muito da história brasileira pode ser contado a partir dessas entidades muitas vezes sem estatuto, sem burocracia, que vivem da vontade de mudar o mundo. Exemplos: o grupo dos inconfidentes em Minas, que fez a conjuração e não iria, obviamente, formalizar seus pleitos em documentos oficiais escritos e ao alcance das autoridades.
O movimento abolicionista, que reunia, por exemplo, jovens estudantes como Castro Alves, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco em círculos como o Ateneu Paulistano. Ou, então, os inúmeros agrupamentos republicanos, aglutinando de estudantes a fazendeiros, de militares a rebelados de toda ordem.
Às vezes as rodas informais de debate e ação política se escondem nas sombras, menos por ardil e mais por anonimato imposto pela história. Eu mesmo tive o enorme privilégio de participar de um desses centros de convivência com importante atuação política. Trata-se do Círculo das Quartas-Feiras.
Fundado em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, o círculo, como ficou carinhosamente conhecido, reunia, semanalmente, um seleto grupo de estudantes em torno do saudoso professor Goffredo da Silva Telles Júnior (Clique aqui para comprar o livro Estado de Direito Já! Os trinta anos da Carta aos Brasileiros). Na Faculdade de Direito da USP, em cafés da manhã em hotéis ou no escritório do querido mestre, nosso Círculo das Quartas-Feiras reuniu-se por anos a fio, engrandecendo seus membros pela rica convivência.
Além disso, teve destacado papel político na recente história brasileira. Fato pouco sabido. E quase nada divulgado. Foi por iniciativa do círculo que se impetrou, ainda em outubro de 1988, o primeiro Mandado de Segurança Coletivo da história brasileira, em defesa de milhares de servidores estaduais paulistas em greve, que queriam ter garantido o sagrado direito de reunião pacífica em frente ao Palácio dos Bandeirantes, época em que a polícia do governo Quércia reprimia os manifestantes com truculência.
Tudo começou com uma conjectura sobre mudanças havidas na nova Constituição. E terminou em uma ação judicial de grande repercussão no meio jurídico e na opinião pública. Também partiu do Círculo das Quartas-Feiras o primeiro grito pelo impeachment do então presidente Collor, assim que seu governo decretou medidas flagrantemente inconstitucionais, como o confisco da poupança.
O que era só uma revolta de um grupo de estudantes em torno de um professor ilustre transformou-se em ação de esclarecimento de inúmeros círculos políticos e jurídicos. Quando os escândalos de corrupção se avolumaram no noticiário, a cidadania brasileira foi às ruas pelo afastamento constitucional do presidente, e o impeachment se transformou em conversa de todos os grupos de pessoas reunidas informalmente em fábricas, escolas ou botecos.
Nem se imagine que as grandes mudanças começam como movimento de massa. Há sempre grupos que conspiram, positivamente, em busca de mudanças mais ou menos profundas do status quo. Às vezes por ação de indivíduos, as campanhas cívicas vão ganhando adeptos, e suas ideias chegam a tornar-se hegemônicas.
Jesus Cristo, por exemplo, de perseguido por seu ideal de justiça e fraternidade, passou a messias. Tiradentes, esquartejado, sagrou-se herói. Castro Alves e Luiz Gama, entre tantos outros, viraram líderes da abolição. É assim mesmo: o rastilho de pólvora uma hora se acende, aquece os corações e detona as mais inusitadas reações populares.
É sempre hora de arregaçar as mangas, buscar parceiros de convicções, começar uma conversa aqui e outra acolá. E ir à luta!
[Artigo originalmente publicado na edição de segunda-feira (27/7/09) do jornal Folha de S.Paulo]/CONJUR
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