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domingo, agosto 10, 2008

'Voltamos ao tempo da ditadura', diz Nelson Pellegrino

Márcio Falcão, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua passagem por Salvador, há 10 dias, reservou um momento para discutir a situação do grampo no país. Lula conversou com o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Escutas Telefônicas, e pediu empenho do Congresso na aprovação de projeto com novos critérios para instalação do grampo e punições mais rigorosas.
Ao presidente, Pellegrino apresentou breve diagnóstico do que a CPI tem encontrado. Segundo o parlamentar, um Estado policialesco que banalizou a interceptação telefônica. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Pellegrino mantém as críticas à falta de fiscalização do Judiciário. “Voltamos aos tempos da ditadura, só que legalmente”, afirma. O petista também faz uma radiografia dos grampos no país, da expectativa para o depoimento do banqueiro Daniel Dantas e comenta a briga com as operadoras de telefonia.
A CPI analisa a situação das interceptações telefônicas no país há oito meses e já pediu a prorrogação por mais 120 dias. Qual a linha de investigação que a comissão tem seguido?
Desde o início, trabalhamos com três grandes eixos: como estão sendo feitas as interceptações legais no País, como ocorrem as interceptações ilegais e quais os aparatos tecnológicos disponíveis no mercado. Com essa dinâmica esperamos saber quem solicita, quem autoriza, como os mandados são executados e como as operadoras administram.
Quais foram as conclusões às quais a CPI já chegou?
A primeira coisa é em relação às interceptações legais. É uma convicção da CPI que há uma banalização. Hoje é muito fácil conseguir um grampo legal, seja requerido pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. A maioria concede e muitos pedidos não têm a menor fundamentação. As prorrogações são feitas por carimbo, um camarada apenas bate e assina. O Ministério Público não fiscaliza como deveria e quando faz detecta problemas. O juiz, que é detentor do sigilo, não monitora, não audita o que é interceptado. Há ainda um constante vazamento do conteúdo protegido.
Então o principal problema é estrutural?
Sem dúvida. A lei que trata das escutas telefônicas estabelece que o grampo só será permitido se houver, entre outros pontos, indício da participação criminosa e se não houver outro meio de prova que possa ser lançado. Esse espírito foi lançado pelo constituinte porque na época da ditadura eram mais de mil interceptações por dia. Então, para colocar um fim neste abuso ele resolveu proteger com um dispositivo o sigilo da privacidade, mas estabeleceu exceções como combate ao crime organizado, à criminalidade, corrupção. Portanto, a interceptação telefônica é um instrumento excepcional poderoso porque invade a vida individual do cidadão, de terceiros. Pela lei, esse meio só deve ser lançado se não tiver outro meio de prova e haja indício de participação criminosa.
O sistema segue outra regra?
Hoje, se intercepta primeiro para depois investigar. Existe uma presunção de que o indivíduo é criminoso. No ano passado, foram 409 mil interceptações telefônicas. Se colocar em média que cada alvo se comunica com pelo menos dez pessoas, quatro milhões de brasileiros foram grampeados. Este é um número estarrecedor. Algumas interceptações duram até dois anos, quando a lei estabelece que são 15 dias prorrogáveis por mais 15 dias, embora os tribunais assegurem que não chegam a ser ilegais. Mas o tempo razoável seria de 30 dias, o período de um inquérito. Imagina a demora para degravar este conteúdo. Para se ter uma idéia, numa interceptação que demora dois anos, a degravação vai levar pelo menos 15 anos. O fato de você escutar um indivíduo é claro que você vai acabar encontrando alguma coisa. Sem contar que permitir uma vigilância é coisa de um Estado policialesco.
É possível identificar quem mais pede grampo no país?
Sem dúvida a Polícia Federal e a Polícia Militar, apesar da PF sustentar que só utiliza grampo em 4% das operações realizadas. Mas a grande questão é que o grampo está realmente banalizado. Voltamos aos tempos da ditadura, só que legalmente.
A CPI tem idéia de quantas escutas ilegais ocorrem no país?
Um número muito expressivo, mas prefiro nem chutar. As interceptações ilegais acontecem pelo país afora mais fácil do que imaginamos. Qualquer pessoa pode ir a um site de busca e pedir para procurar escuta, interceptação e aparecem várias empresas oferecendo serviço de grampo, como um celular para escutar a esposa ou o filho. Até a maleta, que é um equipamento que parece um computador que faz varredura e capta o som, está disponível.
Qual a participação das operadoras no processo do grampo?
Elas cumprem autorização judicial e processam a informação. As operadoras dizem que criaram ambiente próprio pra esse tipo de procedimento. Ou seja, o trânsito da ordem judicial é restrito a alguns funcionários. A maioria já está centralizando essas informações num Estado da federação - Rio ou São Paulo. No caso da Brasil Telecom, Brasília. A prática não é mais fazer interceptações no estabelecimento da empresa. Eles usam um cabo ou sinal para o local onde a autoridade policial ou o Ministério Público designarem.
A CPI vinha em banho-maria e de repente ganhou os holofotes por entrar nas investigações do caso Daniel Dantas. Onde vocês esperam chegar?
Nossa expectativa não é fazer o papel da Polícia Federal. Entramos no caso por causa da relação que existe entre a operação da PF e o sistema das escutas no país. Temos que esclarecer, por exemplo, se a autorização judicial que forneceu uma senha para a Operação Satiagraha foi genérica e permitiu grampear qualquer brasileiro.
O delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, que comandou parte da Operação Satiagraha, compareceu à CPI e pouco contribuiu.
Foi frustrante porque tem uma série de aspectos do relatório que poderiam ser esclarecidos, especialmente em referência aos mandados judiciais. E diante da postura assumida por ele não avançamos.
A CPI comprou uma briga com as operadoras ao requisitar os nomes de clientes que foram alvo de escutas telefônicas em 2007 e que estão em segredo de Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou favorável às telefônicas e impediu à CPI acesso aos dados. Foi uma derrota?
Não. O STF não entendeu o nosso pedido. Não queremos ter acesso ao conteúdo. Queremos ter acesso ao mandado para termos idéia se as autorizações foram todas genéricas. Isso não pode. Não pode ter autorização desse tipo. E estamos conversando com os ministros do Supremo para mostrar a importância de termos acesso a esses dados. Se uma operadora pode saber quem é um alvo da Polícia Federal e manter em sigilo por que uma CPI não pode compartilhar essas informações? Nós não podemos colocar uma dúvida dessa sobre uma CPI que tem se mostrado responsável e longe da espetacularização.
Surpreendeu a postura das operadoras de telefonia?
É claro que nos deixou surpresos e também fica a dúvida de que essa recusa em apresentar os dados não seja de quem tem alguma coisa a esconder ou de quem compartilhou de algo que não deveria ter sido feito e está se sentindo preocupado em relação a isso. Esperamos total colaboração.
Nesta semana, a CPI deve ouvir o banqueiro Daniel Dantas. Qual a expectativa?
Como tenho dito, acreditamos que Dantas possa dar informações importantes se seu grupo contratou a Kroll (consultoria de gerenciamento de riscos) para fazer espionagem empresarial ou foram espionados na briga com a Telecom Itália pelo controle da Brasil Telecom. A participação dele também é importante para saber se ele foi investigado dentro da lei.
Qual o resultado que a CPI deve apresentar no final?
A CPI já apresenta resultados. Temos notícia de que o Judiciário, a Polícia Federal e o Ministério Público assumiram outra postura depois que a CPI começou a funcionar. Mas vamos trabalhar em um relatório que possa servir de base para uma lei que possa colocar um freio na banalização das interceptações telefônicas. Vamos propor uma regulamentação mais criteriosa, para acabar com algumas brechas, como o longo prazo de interceptação, a questão do sigilo das degravações. Outra coisa são as ordens judiciais que há suspeita de fraude. Penso em sugerir uma ordem com autenticação eletrônica, pra tornar ágil, mais seguro o procedimento. Vamos ainda propor um debate de como ter controle sobre o aparato tecnológico, inclusive, proibindo a importação de alguns aparelhos.
Fonte: JB Online

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