Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Em plena efervescência gerada pela decisão do Supremo Tribunal a respeito da reserva Raposa-Serra do Sol, quem continuou impertinente foi o relator das Nações Unidas para Assuntos Indígenas, James Ayala. Primeiro porque, dias atrás, visitando a região, disse não dispor de tempo para conversar com os grupos contrários à extensão continuada da reserva. Só conversaria com os índios, ONGs e entidades religiosas favoráveis à manutenção do enclave contínuo nas fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Guiana.
Pois se não encontrou uma hora para ouvir o contraditório, demonstrando sua parcialidade em favor dos que pretendem transformar tribos em nações e pregar sua independência do estado brasileiro, como depois teve tempo para vir a Brasília e aqui ficar pelo menos até ontem? Teria tido a pretensão de influenciar o Supremo? Se for por isso, quebrou a cara.
Nossa maior corte nacional de Justiça é independente, mesmo diante das Nações Unidas. E se tentou encontrar-se com o presidente Lula, pior ainda, porque no palácio do Planalto ninguém gostou das suas declarações, no sentido de que o PAC prejudica os interesses dos índios, que não são consultados sobre as obras públicas em andamento.
Mais parece um elefante passeando numa loja de louças, esse gringo que deveria, no mínimo, ter sido obrigado a tirar os sapatos no aeroporto. Pelo menos veríamos se em vez de pés, tem patas...
Escorregou
Até que o ministro Nelson Jobim vinha bem, na difícil tarefa de compor as forças armadas e evitar atritos gerados por alguns de seus companheiros de ministério, a começar por Tarso Genro, da Justiça.
Eis porém que, de repente, não mais do que de repente, Jobim teve uma recaída. Declarou, em plena solenidade pela passagem do Dia do Soldado, que parte do faturamento do petróleo do pré-sal, ainda enterrado no fundo do mar, dever ser utilizada para reequipar nossas instituições militares.
Ora, quantos anos se passarão até que o Brasil possa beneficiar-se dessa surpreendente riqueza descoberta em nosso litoral? Dez quinze anos? Se ainda nem sabemos quem ficará com a gestão das operações, se a Petrobras ou uma nova estatal a ser criada, se ignora de onde tirar recursos para tamanho investimento, como ficar contando com o ovo ainda na barriga da galinha?
Quer dizer que até aquele futuro ensolarado nossos militares continuarão sobrevivendo a conta-gotas, submetidos os recursos orçamentários insuficientes e, não raro, contingenciados?
O ministro da Defesa quis agradar, mas despertou sorrisos de incredulidade e até um pouco de ceticismo por parte dos comandantes militares. Porque as necessidades das forças armadas são urgentes. O tal submarino nuclear, por exemplo, só poderá navegar depois que diversas plataformas estiverem funcionando a plena carga? Nessa hora, estaremos a muito à mercê da Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos...
Uns discursam, outros trabalham
Ainda sobre o tema, ou seja, a etérea discussão a respeito de que instituição irá gerir o petróleo do pré-sal, um fato concreto: a Petrobrás, sem esperar remotas definições, já começou a encomendar equipamento para a operação. Porque não se encontra da noite para o dia, para receber horas depois no mercado internacional, plataformas submarinas, sondas e toda a parafernália destinada a extrair petróleo das profundezas. Encomendas precisam ser feitas com antecedência, recursos necessitam de aporte e pessoal técnico, de atualização.
Pois a Petrobras já se antecipou. Na hora em que essa suposta nova empresa estatal tiver sido escolhida, se é que vai ser, voltará sua atenção para coisas práticas e verificará que só receberá o equipamento dali a dez anos. Será hora de a Petrobras entrar na sala e replicar: "Já temos tudo pronto, basta recebermos a autorização...". Assim andam as coisas no reino da companheirada. Uns discursam. Outros trabalham.
Reconhecimento de justiça
Apenas um adendo no texto de dias atrás a respeito das preliminares que acabaram redundando na decretação do AI-5, há quarenta anos. Na véspera da sessão em que a Câmara dos Deputados negou licença para que Marcio Moreira Alves fosse processado por crime de opinião, subiu á tribuna o vice-líder do MDB, deputado Bernardo Cabral. Foram suas palavras:
"(...) é preferível que esta casa seja fechada a funcionar sem honradez e dignidade". O MDB não quer ser partícipe da dilapidação do respeito ao princípio da inviolabilidade, nem conviva do triste banquete em que querem transformar esta casa.
Não acredito na lei que não garanta o meu adversário, hoje, porque ela não me garantirá amanhã. (...) Se esta Câmara for impedida de funcionar, como anunciam as cassandras, porque manteve inatingível o princípio da inviolabilidade, que se mande erigir à sua entrada um monumento com esta inscrição: "Visitante, esta casa se encontra fechada porque a maioria de seus integrantes decidiu defender-lhe a honradez, a dignidade e a decência."
E a lei celerada, o AI-5, não garantiu ninguém, mesmo. Bernardo Cabral foi cassado, entre dezenas de outros deputados, obrigado a dez anos de ostracismo político, quando voltou à profissão de advogado em tempo integral. Retornou com a entrada do País no regime democrático, foi relator-geral da Constituinte de 87-88, senador e ministro da Justiça. Tudo com dignidade, decência e honradez.
O primeiro teste
Será sábado, no Jardim Helena, em São Paulo, o primeiro teste para se confirmar se voto se transferem mesmo. Ou não. O presidente Lula acompanhará pela manhã a candidata Marta Suplicy, numa passeata de dois quilômetros, seguida de comício com direito a discurso.
É claro que Marta vem subindo nas pesquisas, ultrapassou de muito a Geraldo Alckmin e até, nas simulações para o segundo turno, consegue vencer o adversário. Evidência de ser desnecessária a presença do Lula a seu lado? Vamos aguardar a próxima pesquisa. Se a candidata der outro salto, sem dúvidas votos se transferem. Caso mantenha os índices atuais, terá o presidente perdido excelente oportunidade de ficar descansando.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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