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terça-feira, março 01, 2022

Guerra na Ucrânia: Putin pode apertar o botão nuclear?




O presidente da Rússia, Vladimir Putin, acaba de colocar as forças nucleares de seu país em alerta "especial"

Por Steve Rosenberg, em Moscou

Deixe-me começar com uma confissão. Muitas vezes no passado, eu já pensei: "Putin nunca faria isso". Mas daí ele vai lá e faz.

"Ele nunca anexaria a Crimeia, certo?" Ele anexou.

"Ele nunca começaria uma guerra em Donbas, no leste da Ucrânia." Ele começou.

"Ele nunca lançaria uma invasão em grande escala da Ucrânia." Ele lançou.

Minha conclusão é que a frase "ele nunca faria" não se aplica a Vladimir Putin.

E isso levanta uma questão desconfortável:

"Ele nunca seria o primeiro a apertar o botão nuclear depois da Segunda Guerra. Não é?"

Não se trata de uma questão teórica. O líder da Rússia colocou no domingo (27/02) as forças nucleares de seu país em alerta "especial", em protesto contra "declarações agressivas" sobre a Ucrânia por líderes da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) e contra sanções econômicas aplicadas contra a Rússia.

Ouça atentamente o que o presidente Putin tem dito. No dia 24/02, quando Putin anunciou na TV sua "operação militar especial" (na realidade, uma invasão em grande escala da Ucrânia), ele fez um aviso assustador: "Para qualquer um de fora que considere interferir — se o fizer, enfrentará consequências maiores do que qualquer outra que já se enfrentou na história."

"As palavras de Putin soam como uma ameaça direta de guerra nuclear", acredita o Prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov, editor-chefe do jornal Novaya Gazeta. "Nesse discurso de TV, Putin não estava agindo como o dono do Kremlin, mas o dono do planeta; da mesma forma que o dono de um carrão fica se exibindo girando seu chaveiro no dedo, Putin estava girando a bomba nuclear. Ele disse muitas vezes: se não existisse a Rússia, por que precisaríamos do planeta? Ninguém prestou atenção. Mas isso é uma ameaça de que, se a Rússia não for tratada como ele quer, tudo será destruído."

'Putin, fotografado assistindo ao lançamento de um míssil em 2005, pode recorrer a medidas mais desesperadas se sua guerra na Ucrânia for percebida como um fracasso'

Em um documentário de 2018, o presidente Putin comentou que "se alguém decidir aniquilar a Rússia, temos o direito legal de responder. Sim, será uma catástrofe para a humanidade e para o mundo. Mas sou um cidadão da Rússia e seu chefe de Estado. Por que precisamos de um mundo sem a Rússia nele?"

Agora voltemos para 2022. Putin lançou uma guerra em grande escala contra a Ucrânia, mas as forças armadas ucranianas estão resistindo duramente. Nações como EUA e países europeus — para surpresa do Kremlin — se uniram para impor sanções econômicas e financeiras que podem estrangular Moscou. A própria existência do "sistema Putin" pode estar em xeque.

"Putin está em apuros", acredita Pavel Felgenhauer, analista de defesa de Moscou. "Ele não terá muitas opções depois que o Ocidente congelar os ativos do Banco Central russo e o sistema financeiro da Rússia implodir de verdade. Isso tornará o sistema inviável."

"Uma opção para ele é cortar o fornecimento de gás para a Europa, esperando que isso faça os europeus cederem. Outra opção é explodir uma arma nuclear em algum lugar sobre o Mar do Norte entre o Reino Unido e a Dinamarca e ver o que acontece."

Se Vladimir Putin escolhesse a opção nuclear, alguém em seu círculo próximo tentaria dissuadi-lo? Ou impedi-lo?

"As elites políticas da Rússia nunca estão com o povo", diz Muratov. "Elas sempre ficam do lado do governante."

E na Rússia de Vladimir Putin o governante é todo-poderoso. Este é um país com poucos freios e contrapesos; é o Kremlin quem dá as ordens.

"Ninguém está pronto para enfrentar Putin", diz Felgenhauer. "Estamos em um ponto perigoso."

"Putin disse que qualquer interferência externa no conflito, ou qualquer ação contra a Rússia, gerariam uma resposta forte. Nas entrelinhas, há uma ameaça nuclear", diz Alexander Lanoszka, professor de Relações Internacionais da Universidade de Waterloo (Canadá) e especialista em segurança nuclear. "Mas há um interesse comum de todas as partes de restringir esse conflito à Ucrânia. Então, eu ficaria muito surpreso se armas nucleares fossem usadas neste momento".

Segundo Vicente Ferraro Jr., cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), mesmo no caso de um ataque russo contra outras ex-repúblicas soviéticas que hoje fazem parte da Otan, como a Estônia, Letônia e Lituânia, é possível que as duas partes prefiram minimizar os riscos. "Assim como o Ocidente e a Otan evitam conflito direto na Ucrânia, Rússia também evitaria um confronto no restante do Leste Europeu", afirma.

Para Andrew Futter, professor de política internacional da Universidade de Leicester (Reino Unido), também não há qualquer indicação de que Moscou pretenda usar suas armas nucleares contra a Ucrânia. "Não vejo nenhuma razão pela qual Moscou usaria armas nucleares contra a Ucrânia. Não apenas porque qualquer material radioativo tão perto de sua fronteira pode ser perigoso, mas também porque eles provavelmente não querem destruir o país e a população ucraniana, já que seu plano parece ser incorporar o território à Rússia."

Larlecianne Piccolli, pesquisadora especializa em armas estratégicas e política de segurança e defesa da Rússia e diretora do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), escreveu em seu perfil no Twitter que a elevação do alerta feita por Putin visa principalmente intimidar a Ucrânia e forçá-la à mesa de negociações, algo que já está em andamento. Mas os termos em negociação ainda não foram divulgados oficialmente.

De qualquer forma, a guerra na Ucrânia é a guerra de Vladimir Putin. Se o líder do Kremlin atingir seus objetivos militares, o futuro da Ucrânia como nação soberana estará em dúvida. Se for percebido que ele está falhando e sofrer baixas pesadas, o medo é que isso possa levar o Kremlin a adotar medidas mais desesperadas.

Especialmente considerando que "ele nunca faria isso" é algo que não se aplica a Putin.

BBC Brasil

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