Pedro do Coutto
Reportagem de Bianca Gomes, Sérgio Roxo, Julia Lindner e Giovanni Mourão, O Globo de domingo, focaliza com nitidez as manifestações que ocorreram em mais de 20 estados e em Brasília contra o governo de Jair Bolsonaro, condenando a inflação e o aumento do custo de vida, além de pedir o impeachment do presidente da República. A presença foi bastante forte e marcou uma posição que se generaliza pelo país, consequência das ações do próprio governo como se verifica, por exemplo, no caso da Covid-19.
Mas a Folha de S. Paulo, também na edição de domingo, considerou que as adesões ao movimento foram tímidas e não agruparam o mesmo número de pessoas que, no dia 7 de setembro, manifestaram o seu apoio ao Palácio do Planalto. Isso é verdade, especialmente no que se refere à Avenida Paulista, embora a concentração de sábado contra o governo tenha sido bastante expressiva.
MÁQUINA ADMINISTRATIVA – Mas temos que considerar a diferença que está no título deste artigo. Uma coisa é participar de manifestação apoiando quem está no governo, portanto, com a máquina administrativa nas mãos. Outra coisa é comparecer à manifestação política contra o governo e, portanto, em confronto direto com a administração federal e com uma parte dos deputados e senadores.
Além disso, Lula da Silva não participou no sábado, enquanto Jair Bolsonaro esteve presente tanto na Paulista quanto na Avenida Atlântica, no Rio, no dia 7 de setembro. O presidente da República radicalizou no Dia da Independência, especialmente nos ataques ao Supremo Tribunal Federal. Tanto radicalizou que teve que recuar através de um texto conciliador redigido pelo ex-presidente Michel Temer. De qualquer forma, o confronto entre Lula e Bolsonaro se consolida a cada dia, bloqueando um terceiro caminho para algum outro candidato chegar às urnas e vencer a disputa pelo Planalto.
Essa terceira via, de acordo com as pesquisas do Datafolha e do Ipec, até sábado podia se chamar Ciro Gomes. Porém, depois de sábado, tal hipótese tornou-se ainda muito mais remota. O ex-governador do Ceará, candidato do PDT à sucessão, foi vaiado ao discursar na Avenida Paulista e teve que deixar o local no seu carro atacado a pauladas. Como a manifestação da Paulista claramente foi desencadeada pelo PT, verifica-se que Ciro Gomes perdeu pontos e espaço ao dirigir ataques a Lula nas últimas semanas, ao invés de se concentrar contra Jair Bolsonaro.
OFENSIVA – Atacando Lula, ele não ganha um voto com isso, e deixando de concentrar a sua ofensiva contra Bolsonaro contribui para manter a sua segunda colocação no espelho traçado pelo Datafolha. Ciro Gomes que no último levantamento tinha chegado a 11 pontos, hoje deve ter perdido umas duas ou três colocações. Motivos não faltavam para Ciro Gomes. Do leque de opções, ele poderia ter se manifestado com base na CPI do Senado e no aumento dos preços dos combustíveis fixados pela Petrobras. Mas ele não fez isso.
O terceiro caminho parece indicar que será disputado pelo PSDB. Os tucanos vão realizar em 21 de novembro eleições internas para a escolha do candidato para disputar as eleições em outubro de 2022. Dois nomes se destacam, o dos governadores João Doria e de Eduardo Leite. Quem vencer as prévias, examinando-se bem a questão, não poderá deixar de ser candidato.
Mesmo que tenha que até abril, seis meses antes das eleições, renunciar ao mandato de governador. Não é possível que alguém dispute eleições internas e, caso vencedor, não assuma a posição referendada pela maioria do seu partido. Fernando Henrique Cardoso já manifestou a sua simpatia por João Doria, mas também não descartou Eduardo Leite. Portanto, em abril, teremos um novo governador de São Paulo ou um novo governador do Rio Grande do Sul. Os vices aguardam a decisão.
PETROBRAS – Numa entrevista a Manoel Ventura, o Globo de domingo, o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que a estatal não vai mudar a sua política de reajuste de preços e acentuou que se os preços da gasolina e do diesel forem represados haverá desabastecimento de combustível. Portanto, além da crise do sistema hidrelétrico, o país está ameaçado pela hipótese de um problema de grande parte no setor de combustíveis.
O general Silva e Luna destacou que a Petrobras é uma empresa de capital misto, portanto de capital aberto, sobretudo porque 63% dos seus acionistas são privados, enquanto a União possui somente 37%. A afirmação, na minha impressão, no fundo constitui uma resposta aos que, como o ministro Paulo Guedes, defendem a privatização da estatal.
São aspectos, a meu ver, bastante importantes a serem colocados e observados com atenção. Mas não é só essa questão essencial. Silva e Luna, também com base nos acionistas privados lembra que a política de preços relaciona-se também com a colocação de seus papéis na Bovespa e na Bolsa de Nova York.
REFLEXO ELEITORAL – Com o pronunciamento do presidente da Petrobras, ficou diminuído o campo de ação do próprio governo em tentar solucionar uma política de preços que está incentivando o processo inflacionário e causando reflexo eleitoral negativo ao governo na reeleição do próximo ano. Silva Luna destacou também que durante o governo Bolsonaro a Petrobras pagou R$ 550 bilhões em tributos e que neste ano já destinou R$ 20 bilhões em dividendos para os acionistas.
Com a afirmação de que manterá a política de preços, Silva e Luna deixou aberto apenas para o Palácio do Planalto o caminho de tentar diminuir os impostos estaduais, caso do ICMS, cujo percentual varia de um estado para o outro. No Rio de Janeiro é de 14%. Silva e Luna disse ainda que pela qualidade do petróleo extraído no país pela Petrobras, há necessidade de 30% do óleo diesel e outros 30% da gasolina serem refinados fora do país, o que se reflete na formação dos preços. Há o transporte de petróleo para o refino e a volta como óleo diesel e gasolina. Ficou claro que o presidente Jair Bolsonaro não conseguirá fazer com que a Petrobras reduza os preços nas bombas do país.