Cleide Carvalho
O Globo
Um dos mais experientes procuradores que integraram a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Januário Paludo, que atualmente atua em Porto Alegre e é membro da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (Combate à Corrupção) do MPF, afirma que o futuro do combate à corrupção ainda é incerto, mas que governos são transitórios e que a sociedade sempre reclamará pelo fim dos desmandos.
Para ele, instituições como o MPF, longe de se dobrarem às circunstâncias do momento, se reciclam e renascem mais fortes do que antes. Nesta quarta-feira, dia 3, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba foi oficialmente desfeita, e seus integrantes foram aborvidos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Em entrevista ao O Globo, Paludo defende o modelo de forças-tarefas, a quem credita o sucesso da operação contra a corrupção, e diz que países como os Estados Unidos apostam nesse tipo de organização do trabalho de investigadores há mais de 20 anos.
Como você vê o fim da força-tarefa da Lava-jato em Curitiba?
Encerrou-se um ciclo sabidamente de sucesso no combate à corrupção, de resultados inquestionáveis, nunca antes alcançados. O futuro ainda é incerto.
A ação do governo Bolsonaro foi uma surpresa para você? Houve uma aposta nesta gestão no combate à corrupção?
Eu acredito na vocação do MP no combate à corrupção, e não em um governo, que é transitório.
Mas quem escolhe o comando do MPF é o governo. Já tivemos inclusive governos considerados muito bons nos quais o procurador-geral era chamado de “engavetador da República” quando se tratava de combate à corrupção.
A atuação do MPF tem base constitucional e legal. A independência funcional e inamovibilidade (garantia constitucional concedida aos magistrados e membros do MP de não serem transferidos, salvo por relevante interesse público), antes de ser garantias dos membros, é da sociedade e protege a atuação institucional, para que esse exercício se faça de forma independente e subordinado apenas ao interesse público. As administrações centrais vão e vêm. Podem ditar o rumo, mas não a forma e o conteúdo. Aprendi isso em quase 30 anos de MP.
O fim da Lava-Jato significa também o fim do combate à corrupção? A despeito de boa parte dos brasileiros, que queriam as investigações, houve uma opção pela corrupção?
Não acredito no fim do combate à corrupção .Ao contrário, a sociedade reclama e sempre reclamará pelo fim da corrupção. As instituições com esse encargo, longe de se dobrarem às circunstâncias do momento, se reciclam e renascem com maior aprendizado e mais fortes do que estavam antes. Existem retrocessos, é certo, mas também, foram construídas pontes para o futuro.
Na sua avaliação, onde o modelo da Operação Lava-Jato falhou? Por que perdeu fôlego?
Não acredito em falhas do modelo de força-tarefa, em especial, da Lava Jato. Ela alcançou resultados antes nunca vistos em todos os indicadores de combate à corrupção e à criminalidade organizada. Sempre defendi esse instrumento de atuação de combate à corrupção e outras formas de criminalidade organizada, que tem se mostrado eficaz no mundo todo. Escrevi manual a respeito. Veja-se o exemplo americano que possui forças-tarefas em funcionamento há mais de 20 anos.
Uma força-tarefa no modelo da Lava jato somente produz resultados em termos de interesse público quando seus membros atuam com exclusividade e no local onde estão sendo investigados os fatos, mas nunca acumulando outras funções ou à distância. o excepcionalmente a acumulação possível, mas a proximidade do grupo para debater diariamente estratégias de atuação somente é possível e seguro pessoalmente e não por meio de redes sociais ou institucionais.
Você acha possível que, a curto prazo, ações anticorrupção voltem a ter o mesmo impacto no país que teve a Lava-Jato?
Sim, existe uma natural tendência, especialmente entre os novos procuradores da República, de aproveitarem e aprenderem com as experiências pretéritas, com aprimoramento ou remodelamento de novos instrumentos de atuação no combate à corrupção e à criminalidade organizada, novas técnicas de investigação, novas estratégias, etc. Falo pela experiência de quem vivenciou muitos ciclos no MP, com mais avanços que retrocessos.
A Lava-Jato deixa muita coisa sem ser apurada? Ainda havia muito mais a ser descoberto?
Sempre existirá algo a ser apurado, que não foi ao tempo e modo, por diversas razões. Há uma capacidade de produção limitada dentro de um grupo especializado. Daqui há alguns anos, com olhar retrospectivo e quiçá sob a luz de novos elementos, alguém apontará que esse ou aquele fato deixou de ser apurado. Espera-se, no entanto, que superado o período de pandemia, o GAECO/PR consiga finalizar o que vinha sendo feito na Lava jato.