Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - As palavras e as ações do presidente Lula continuam em choque, senão continuado, ao menos frequente. Quarta-feira, no Rio, ele declarou que se a situação voltar ao normal o reajuste do funcionalismo público será mantido. Acrescentou dispor de até junho para decidir e que "queira Deus para que a gente não tenha que mexer em nada". E concluiu: "Vim do movimento sindical e sei o quanto é bom a gente poder cumprir a palavra".
Traduzindo: nem que o Sargento Garcia prenda o Zorro a situação não voltará ao normal no meio do ano. Não há um só economista, no Brasil e no planeta, capaz de vaticinar a normalidade. Pelo contrário, preveem todos não haver a crise na economia mundial chegado ao fundo do poço. Crescimento zero, quebradeiras, dinheiro público carreado aos montes para empresas em dificuldades, demissões em massa, queda das exportações, carência de crédito e quantas dificuldades a mais constituem capítulos dessa novela de horror que a todos assola?
Fica claro que o reajuste dos funcionários públicos já foi para o espaço. Cada servidor que se prepare, arquivando o sonho e, até mesmo, conformando-se em que não poderia ser diferente. Aumento, só para os preços, os impostos, as taxas, o desemprego e a irritação de cada um.
Na mesma oportunidade, inauguração de uma promessa futura de autossuficiência nacional na produção de gás, o presidente ainda falou que o Brasil será o primeiro país a se safar da crise financeira, "porque foi o último a sofrer suas consequências". Apesar de o Sermão da Montanha ensinar que os últimos serão os primeiros, fica difícil acreditar na previsão. Ainda mais porque o presidente jogou com informações no mínimo hilariantes.
Disse que em fevereiro registrou-se o saldo da abertura de 20 mil empregos. Só que em janeiro, dezembro, novembro e outubro passados, as demissões ultrapassaram 650 mil, para considerar o que aconteceu nas grandes empresas. Das médias e das pequenas, que formam a maioria do mercado de trabalho, não se tem notícia. Nem se terá, porque as más notícias costumam ser mandadas para debaixo do tapete faz muito tempo.
Que ação adotou o governo diante da cascata de demissões ainda em pauta? Exigiu das empresas aquinhoadas com 100 bilhões de reais dos cofres públicos que parassem de demitir? No máximo, apelou, mas sem quaisquer resultados. Ninguém duvida das boas intenções e dos bons propósitos do presidente Lula. Trata-se até de sua obrigação, como líder maior, inocular esperança na sociedade. Mas dói assistir a ele remando contra a maré, certamente ajudado por áulicos, ingênuos e um tanto de malandros incrustados em seu governo.
Pauta desprezada
Registram-se cinquenta dias de pasmaceira e inoperância do Congresso, nessa nova sessão legislativa. O máximo que deputados e senadores conseguiram até hoje foi envolver-se em abomináveis conflitos de poder, os derrotados devolvendo aos vitoriosos o fel de sua derrota. Falamos das consequências da vitória de José Sarney para a presidência do Senado e de Michel Temer, para a Câmara. Importa menos se o PMDB, vitorioso, pensa que pode tudo, e se o PT, humilhado, imagina que botar fogo no circo salvará o trapezista da queda.
Admita-se que o Congresso não teve condições para começar a votar a reforma política, a reforma tributária, a limitação das medidas provisórias e mais uns tantos itens referentes às necessidades nacionais. Mesmo assim, abre-se há muito tempo larga avenida de possibilidades não aproveitadas. A primeira delas, clamada pela sociedade faz muito tempo, refere-se ao tempo perdido na caça aos animais.
Caça aos animais? Sem dúvida. Porque não há um cidadão sequer, de posse de suas faculdades mentais, que não sinta a importância da revisão de nossas leis penais. Encontram-se soltos montes de animais que deveriam ter sido sacrificados faz tempo. Basta passar os olhos nos jornais para ver quantas crianças, até de dois anos e meio, têm sido violentadas no país inteiro. Expostas à sanha de pais, padrastos, parentes e até desconhecidos.
Nem é preciso referir, hoje, outros crimes hediondos praticados todos os dias no território nacional. Assassinatos, sequestros, assaltos, narcotráfico, contrabando e violências de toda ordem também precisam ser enfrentados. Mas se ficássemos nos crimes sexuais, em especial os de pedofilia, teria sido o suficiente.
Quanto tempo demoraria para o Congresso votar a prisão perpétua para esses monstros, privando-os de todas as benesses da flácida lei que lhes permite até mesmo responder em liberdade a inomináveis estupros de inocentes? Cinquenta dias teriam sido suficientes para mudar o Código Penal e o Código de Processo Penal. Para estabelecer, em nome dos direitos humanos, que todas essas vítimas têm o direito de ver, senão reparado o passado, ao menos preservado o futuro.
Resistências invisíveis
Enganam-se quantos imaginam o PT cerrando fileiras em torno da candidatura de Dilma Rousseff. Dos treze grupos em que o partido se divide, a unanimidade passa ao largo. É claro que para efeito externo, para o presidente Lula ouvir, todos os companheiros são Lula desde criancinha. Nos bastidores, porém, encontram-se em ebulição as dúvidas referentes às possibilidades da candidata apresentada pelo presidente Lula.
Se ela não emplacar até o segundo semestre, como ficará o PT? Pronto para entregar o governo aos tucanos, abrindo mão do maior festival de usufruto do poder jamais encenado em toda a República?
Por conta dessas dúvidas registra-se nas profundezas o crescimento da tese de que só com o terceiro mandato tudo continuará como está. Quem viver, verá...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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