Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - (Discurso de paraninfo da turma de formandos do primeiro semestre de 2008 da Universidade de Brasília - dia 17 de setembro de 2008.) Saudações. É com um misto de tristeza, de nostalgia e, também de felicidade, que volto a esta casa que por 25 anos foi a minha casa. E continua sendo. Tristeza por não fazer mais parte do corpo de seus professores, aposentado que estou. Nostalgia por haver vivido, aqui, os anos mais fecundos de minha vida, onde pude dividir com vocês certezas e dúvidas.
Felicidade, por ser a Universidade de Brasília o refúgio permanente de quantos, mesmo afastados como eu, para aqui acorrem recompensados pela gratidão de quantos não nos esqueceram.
Existem momentos, raros, na vida de todos nós, em que o tempo parece interromper-se. O que era, deixou de ser. O que vai ser ainda não é. As formaturas exprimem esses momentos. O passado terminou e o futuro ainda não começou para vocês formandos. O presente, por isso, adquire as características do eterno. Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser universitários.
Quando saírem, diplomados serão profissionais: jornalistas, publicitários, cineastas, radialistas, enfim, comunicadores. Enquanto aqui estivermos, nesta noite, vocês já deixaram de ser e ainda não são.
Aproveitemos então este momento raro para pela última vez praticarmos em conjunto aquilo que reunidos praticamos enquanto nas salas de aula.
Vamos continuar questionando. Vamos cultivar a dúvida. Vamos erodir as teorias. Vamos contestar os mitos. Vamos descrer dos modelos. Vamos desfazer verdades absolutas. Essa é a proposta maior da comunicação social: opor os fatos aos mitos. Suplantar as ilusões com a realidade. Mas sem deixar nunca de sonhar. Constituem os sonhos, os fatos e a realidade, o deus que devemos adorar. Assim como as verdades absolutas, os modelos, as teorias e os mitos, o demônio que precisamos exorcizar. Uma referência, apenas, à universidade.
Ao contrário do que muitos pretendem e apregoam a universidade não é uma simples matriz produtora de mão de obra qualificada para a sociedade. Jamais a universidade será reduzida ao papel de um forno produtor de pão para o banquete das elites.
É claro que vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, revistas, rádios, televisões, blogs, agências de notícias on-line, agencias de publicidade, assessorias de empresas públicas e privadas e instituições dos poderes da nação. No entanto, muito mais preparados devem estar e estão para questionar a comunicação social. Prontos para renovar, reformar e, se necessário, revolucionar os meios de comunicação.
Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico, cultural ou qualquer outro.
Uma universidade existe para contestar o mundo à sua volta.
Outro mito a destruir é o da globalização. Certos ingênuos e muitos malandros tentam impor-nos a falácia de que não há mais nada a descobrir, a pesquisar e a questionar porque o mundo encontra-se globalizado. Apenas porque num digitar de teclas transferem dinheiro de Nova York para Hong-Kong, concluem que a História acabou. Será absoluta, para eles, a prevalência do capitalismo selvagem.
Pobres tolos. Globalizado estava o mundo, pensou o primeiro troglodita que aprendeu a dominar o fogo, porque, afinal, sua aldeia podia comunicar-se com a aldeia vizinha por sinais de fumaça, não mais pelos decibéis de sua garganta. Globalizado também estava o mundo, imaginaram os navegadores, porque levavam madeira da Espanha e traziam especiarias da Índia. E quando Marconi anunciou o telégrafo sem fio, estávamos globalizados?
Quem garante que nossos netos não vão rir de nós, que nos achamos globalizados, quando eles, sim, pensarão assim, vendo chegar minério de ferro de Marte e água de Vênus? Mas os netos dos nossos netos darão gargalhadas olhando as fotografias de seus avós, porque globalizados estarão eles, importando cérebros descartáveis de Andrômeda ou o Elixir da Longa Vida, da Ursa Maior?
Nos primeiros anos do século passado um ilustre catedrático de Física da Sorbonne, o professor Lipmann, ministrava suas aulas inaugurais dirigindo-se aos novos alunos com ar de comiseração. Dizia ter pena deles, por haverem escolhido estudar Física, uma ciência que já estava pronta e arrumada, não havendo mais nada a descobrir. Pobre professor Lipmann, que felizmente, para ele, morreu antes de saber da existência de Einstein ou do aparecimento da Física Quântica.
Já me alongo. Chegou a hora de dizer adeus. Ao contrário do professor Lipmann, digo ter de vocês uma profunda inveja. Porque vocês enfrentarão desafios e realizarão mudanças muito mais profundas do que as que tentei realizar e enfrentar.
Deixo-lhes apenas algumas exortações:
Rebelem-se contra o preconceito dos que pretendem resumir a vida a um sistema, qualquer que seja esse sistema.
Insurjam-se diante de doutrinas, ideologias ou modelos que se apregoam dispor de resposta para todas as perguntas.
Empurrem para o fundo da estante livros que se imaginam repositórios de toda a verdade, de todo o conhecimento e de toda a sabedoria.
Sacudam a poeira da intolerância dos que apresentam o ser humano como simples conjunto químico dotado de inteligência. Mas releguem ao lixo da história a concepção oposta, de que precisamos nos conformar com a injustiça, a fome, a miséria, o desemprego e o sofrimento, nesta vida, para recebermos a compensação numa incerta vida futura. Levantem-se contra a teoria das ditaduras, tanto quanto contra a ditadura das teorias.
Cultivem o senso grave da ordem e o anseio irresistível da liberdade. Creiam, acima de tudo, no poder da razão, porque da razão nasce a liberdade, da liberdade nasce a justiça, da justiça nasce o bem-comum, e do bem-comum nasce o amor. O amor, a derradeira oferta do indivíduo à sociedade.
E de um professor aos seus alunos.
Adeus.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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