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quinta-feira, janeiro 25, 2007

"Parlamentares são vergonhosos"

Por: Hélio Rocha

João Ubaldo Ribeiro é o maior escritor brasileiro vivo – único a conquistar a unanimidade de público e crítica. De passagem pela Bahia, ele recebeu a imprensa em sua amada terra natal – a paradisíaca Ilha de Itaparica – enquanto se preparava para as comemorações do aniversário de 66 anos, terça-feira, dia 23 de janeiro. Sentado de costas para o mar da Baía de Todos os Santos e de frente para um Brasil cheio de incertezas, Ubaldo criticou as políticas interna e externa do governo Lula, denunciou o programa Bolsa-Família, a atuação do Congresso Nacional, alertou sobre o expansionismo americano em direção ao Brasil e as interpretações distorcidas que muitas vezes cercam a questão do racismo em nosso País. Feliz ao lado de amigos, parentes e políticos locais (que organizaram para ele uma festa digna de um superstar), esse aquariano sem papas na língua falou sem parar durante uma hora e meia, em entrevista que a Tribuna da Bahia – único jornal de grande circulação de Salvador a comparecer ao evento – publica com exclusividade.
ENTREVISTA
J.U.R. – Vou só fumar esse cigarro... Ainda conservo esse mal hábito... Mas amanhã eu vou largar! (risos) Fumo desde 15 anos e nunca parei. Só uma vez, mas acabei voltando por arrogância. Estava em uma festa (nessa época eu ainda bebia). Lá pelas tantas, me gabei de ter largado aquela desgraça e fumei dois Ministers para mostrar que era macho! Pronto! No dia seguinte, já comprei um no varejo... Comprei mais outro... Isso durou três dias. Mas na verdade eu quero parar... TB – O governo Lula anunciou uma série de medidas para favorecer o crescimento da economia. Como você vê essa política? J.U.R. – Se prepare, rapaz! Aperte o cinto que agora ninguém segura o país! (risos). Eu quero ver como o Brasil vai crescer 5% sem infra-estrutura nenhuma. É mentira! É mentira que o país tenha energia elétrica para segurar um crescimento superior a 5%! Se, por milagre, isso acontecesse, haveria uma crise de abastecimento energético. E Evo Morales estava esperando o quê para o gás subir? Estava esperando que o nosso “guia” assumisse novamente. Você vai ver o que vai acontecer com o gás natural. O que existe – com o perdão da má palavra – é uma espécie de puxa-saquismo diante de Hugo Chavez e sua liderança no continente. O Brasil está indo a reboque da Venezuela, o que não só é ridículo em termos econômicos como é ridículo em termos políticos, porque é a revivescência do “Peronismo” (N.R. Regime dos partidários do ex-presidente da Argentina, Juan Carlos Péron). Estamos virando peronistas e assistindo ao desenvolvimento de um governo populista no Brasil. TB – Por que isso acontece? J.U.R. – O povo brasileiro pensa, e mesmo as pessoas mais esclarecidas também pensam, que quem paga imposto no Brasil é “barão”, quando é exatamente o oposto: barão não paga imposto, barão faz duas coisas: como empresa ele repassa o imposto e como pessoa jurídica ele bota tudo em nome da empresa, do carro à casa, e recebe restituição por isso. Eu sei porque tenho amigos milionários que recebem restituição do imposto de renda. Um dos homens mais ricos que conheço já me confessou isso com vergonha. Eu perguntei: “Fernando (o nome dele é Fernando e eu não vou dizer mais nada a respeito dele), Fernando, você não fica aporrinhado que o imposto de renda leve 37% de tudo que eu ganho e chega no fim do ano ainda tenho que pagar mais?”. Ele disse: “Ubaldo, você é meu amigo eu vou te contar. Eu tenho vergonha disso, só que não vou fazer nada. Meus contadores me conseguem restituição”. Nós estávamos sentados diante de uma das 20 piscinas que ele deve ter lá na terra dele. Então, o povo pensa que imposto é tirar do bolso o dinheiro e entregar ao governo, aí é pagar imposto. Como o pobre nunca faz isso... Nunca pagou imposto de renda, ele acha que é o barão paga. Barão não paga imposto. Ou repassa ou não paga. TB – Quem paga imposto então? J.U.R. – Quem paga o imposto é o beneficiário do Bolsa-Família, que não está transferindo renda de ninguém para ninguém. O pobre não sabe que, quando ele paga R$ 1 de açúcar, R$ 0,40 são do governo. Mesma coisa com o café. Se for cachaça então, é 90%. Quer dizer, qual é a transferência de renda que está havendo nisso? Está havendo é a criação de um povo cuja sabedoria é expressa até em um verso de Luís Gonzaga, que, esse sim, foi um grande brasileiro. Um grande Luís! Luís Gonzaga, sanfoneiro que dizia: “Não dê esmola que vicia o cidadão”. É verdade! E você tem que levar em conta que a lei do menor esforço não é uma lei inventada por professor para poder dar carão em aluno. A lei do menor esforço é uma lei física. Se você soltar um fio d’água nessa mesa para escorrer, a água vai escolher o caminho que tenha mais facilidade para ela. Isso é uma lei universal da natureza. Então, nós vivemos em uma terra que já partilha das características litorâneas. É conhecido que povo de beira de praia é povo preguiçoso. É natural que seja preguiçoso! Não é porque seja pior que os outros, é porque a proteína animal é mais facilmente encontrada aí... Porque há uma série de facilidades para o sujeito sobreviver e o cara acaba ficando mais preguiçoso. Agora, imagine se o sujeito beneficiado pelo Bolsa-Família, com dois, três filhos, imagine se ele vai querer se abalar com o “rango” da família garantido, se vai querer jogar isso fora por um emprego de um salário-mínimo! Nunca que ele vai aceitar emprego coisa nenhuma! Ele vai é ficar no Bolsa-Família e vai constituir gerações dentro do Bolsa-Família. Nós hoje temos Bolsa-Família profissionais! Como temos MST profissionais! “Qual a sua profissão?”. “Sem-Terra”. Instituímos essa profissão esdrúxula! O sujeito vive de ser sem-terra! Carteira de sem-terra, salário de sem-terra! Ainda temos uma oposição irresponsável em um país que parece ser governado por um bando de gozadores. A oposição apresenta, para aporrinhar Lula, o projeto do 13º salário do Bolsa-Família! (risos). Apresentou para sacanear! Se dissesse que eles estavam apresentando como uma coisa para valer, em que se visse espírito público dos caras, para dizer: “Não, eles estão pensando no Brasil”. Não, eles estão pensando apenas em sacanear Lula! E dar menos condições de governabilidade a ele! TB – Como você vê a atuação dos parlamentares brasileiros? J.U.R. – Essas pessoas estão brincando com o Congresso Nacional, que se desmoralizou. É a pior vergonha da nossa história e é, ao mesmo tempo, a instituição basilar – isso eu posso botar banca porque sou professor de ciências políticas e era bom professor! Pergunte aos meus alunos – então a instituição básica da democracia representativa é exatamente essa. São os nossos representantes que estão desmoralizando o Congresso no Brasil! Hoje, nove em cada dez brasileiros comuns (estou arriscando essa estatística) a quem fosse perguntado: “O que o senhor acha da idéia de botar para fora todos os deputados e fechar o Congresso?”. Nove entre dez brasileiros diria que é a favor! Eles estão fazendo o possível para tornar, aos olhos do povo brasileiro, o Congresso uma fonte de despesa, vexame, vergonha e etc. Diante de um presidente “que vai salvar o país! Vamos dar a ordem para salvar o país!”(fala Imitando a voz do presidente Lula) (risos). Quer dizer, ele não entende “bulhufas” do que está dizendo e está entregando a liderança do continente a um debilóide que é Hugo Chavez, que acha que vai fazer a mesma coisa que Bush, aquele débil mental. Os americanos fazem aqueles filmes de “Rambo” e eles mesmos acreditam... (risos). Eles acreditam que os árabes são ordinários, traiçoeiros e covardes, enquanto eles próprios são todos lindos... Nós vivemos essa hipocrisia, por exemplo, achando que a CIA não tem projetos em relação ao Brasil! Quá Quá Quá... (risos). T.B – Como assim? J.U.R. – Por que no Brasil se quer usar os padrões americanos de negritude? Segundo os quais todos aqui somos negros? E, portanto, perde-se o sentido a palavra “negro”? Porque eles querem dividir o país ao longo de linhas raciais! Vamos supor em uma fantasia alucinada minha, um delírio, se o exército deles quisesse invadir o Brasil e os negros brasileiros se aliassem aos negros invasores contra o inimigo branco! Quando a história do mundo prova, a ciência política e a antropologia já desmoralizam isso há anos! A escravidão não é um fenômeno racial. Os negros não foram o povo que em maior número foi escravizado. A escravidão é um fenômeno que existe desde o surgimento da humanidade. A maior parte dos escravos que existiram na história da humanidade não foi negra, ou seja, foi amarela ou branca. Foi negra também – a escravidão sempre foi o destino do vencido. Eles eram esfolados e mortos como os assírios faziam, ou eram transformados em escravos ou eunucos. Portugal, provavelmente, se escravizou um negro ou outro, foi sem querer ou por acaso... TB – Como assim? J.U.R. – Eu não quero dizer que o português foi bonzinho nem que escravidão tenha alguma coisa de boa. Estou apenas querendo ver as coisas como elas na realidade são. Portugal comprava “peças da índia” – nome que se dava ao lote de escravos já prontos para o comércio – porque a escravidão sempre existiu na África! O destino dos escravos que vieram para o Brasil era permanecer na escravidão, na própria África, ou morrerem! Portugal estabeleceu o Reino do Congo, onde hoje é Angola mais ou menos, meteu o rei Dom Afonso (Portugal era o dono do mundo), fez o papa nomear bispos e mantinha relações com as tribos. O que Portugal fez foi, no máximo, ajudar financeira e tecnologicamente os governos das nações negras que já dominavam seus vizinhos. Por exemplo, os “shanti” eram uma nação chamada de tribo (se for negra é tribo, se for branca, eles chamam de nação...) que foram muito escravizados pelos negros congoleses. Eram negros vencidos pelos próprios negros! Você sabe, por exemplo, que os japoneses nos acham todos iguais. O português podia achar os negros todos iguais, mas os negros se achavam tão semelhantes entre si quanto um belga e um napolitano. Para um negro, o outro negro era um estrangeiro inferior que ele vendia para o português, enquanto ele próprio não admitia ser escravizado e lidava de igual para igual com o colonizador, que fingia que lidava de igual para igual com ele para poder comprar escravos já cativos. T.B. – Como isso se reflete na realidade brasileira? J.U.R. – No Brasil, fala-se muito em cultura africana, que o negro é irmão... Te convidam para comer em um restaurante de comida africana, como se um continente com milhões de pessoas tivesse somente uma cultura! Me lembra uma vez em que fui homenageado em um jantar na Alemanha, e o anfitrião fez o comentário: “Preparamos para você uma atração especial de sua cultura sul-americana” – e apresentou uma banda de índios peruanos tocando flauta! (risos).
Fonte: Tribuna da Bahia

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