Por: MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo
Militares não são conhecidos pelo senso de humor desbragado, mas basta falar da Força Nacional de Segurança Pública para que aflore o lado pândego de cada um. "Força Nacional Tabajara", "Força Nacional da Mentira" e "polícia cenográfica" são alguns dos apelidos aplicados por policiais e pesquisadores ao grupo militar criado pelo governo em 2004.
O codinome Tabajara foi dado à Força Nacional por um militar, que prefere não ver seu nome revelado, porque os dois comandantes do grupo, um coronel e um capitão, não estavam em Brasília na última semana. Segundo esse oficial, qualquer cabo sabe que os dois comandantes não podem se ausentar ao mesmo tempo. Aqueles que não têm tanta animosidade contra a força limitam o elogio a uma frase lacônica --"ela não é inócua".
A Força Nacional de Segurança voltou ao noticiário após os ataques que ocorreram no Rio de Janeiro depois do Natal. O governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) pediu ao presidente Lula que os quase 8.000 integrantes da tropa fossem enviados ao Estado. O governo promete mandar 500 homens, na primeira quinzena deste mês. O caráter provisório da Força Nacional é seu calcanhar-de-aquiles, dizem militares ouvidos pela Folha. O grupo é formado por policiais dos Estados convocados em emergências.
"Policiar o Rio com homens de outros Estados não tem o menor cabimento porque eles não conhecem o local, os criminosos nem a forma como eles agem", diz o coronel reformado da Polícia Militar José Vicente da Silva Filho, que foi titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo Silva Filho, a força terá um efeito puramente cenográfico. "Usar essa força no Rio de Janeiro é como passar mercúrio cromo em fratura exposta", compara.
O major Sérgio Olímpio Gomes, que assume em março o cargo de deputado estadual pelo PV, segue raciocínio semelhante ao do coronel. "Se você quer pregar uma mentira em segurança pública, você lança uma operação de grande impacto. O problema é que operações não resolvem. A atuação policial deve ser permanente." Gomes diz que prefere chamar o grupo federal de "Força Nacional da Mentira" porque ela promete o que não pode cumprir.
A idéia de uma força nacional começou a nascer em 2003, no primeiro ano do governo Lula, segundo o antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, que dirigia a Secretaria Nacional de Segurança Pública à época.
A idéia inicial, diz, era criar um grupo não uniformizado com cerca de 500 policiais, com patente de capitão para cima, e um alvo bem definido: combater o crime organizado e suas ligações com as polícias. "Seria uma polícia para policiar as polícias. Precisamos de uma grande força de investigação com tecnologia de ponta." A definição do alvo da força partiu de uma premissa de Soares, segundo a qual "o grande desafio é o crime organizado e a cumplicidade das polícias com essas organizações."
O ex-petista Soares --atualmente filiado ao PPS-- está num campo político distante do tucano Silva Filho, mas eles concordam sobre o papel limitado que uma força nacional teria no Rio. "É evidente que uma força dessas não é inócua, pode ser útil, mas não decisiva."
Treinamento precário
O caráter episódico da Força Nacional de Segurança apresenta outro problema, segundo militares ouvidos pela Folha: o treinamento é insuficiente. Oficiais que fizeram o treinamento em Brasília aceitaram falar à reportagem desde que seus nomes não fossem citados --temem punição por quebra de hierarquia. A maior deficiência é a carga horária de treinamento --cerca de cem, divididas em dez dias de aula.
Nesse período, os policiais têm aulas de cinco disciplinas: direitos humanos, controle de distúrbios civis, policiamento ostensivo, gerenciamento de crise e técnicas de tiro. Com cem horas de curso, dizem dois oficiais, é impossível criar a comunicação necessária entre policiais que atuam em situações de alto risco. "Força especial deve funcionar como time de futebol. Basta um olhar para o outro policial saber o que ele quer. Isso é impossível em cem horas de treinamento", conta um capitão.
A ênfase em direitos humanos também é um equívoco, segundo outro capitão. Quem integra os melhores quadros da polícia não precisa desse tipo de curso, segundo esse policial.
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