História contada pelo senador Marcos do Val está repleta de lacunas e contradições, além de ter tido três versões diferentes.
Por Claudio Dantas (foto)
Marcos do Val, senador do Podemos pelo Espírito Santo e instrutor de técnicas de imobilização, virou o centro das atenções após tornar pública, na quinta-feira 2, uma suposta conspiração para prender o ministro Alexandre de Moraes. O problema é que a história contada pelo parlamentar está repleta de lacunas e contradições, inclusive sobre o possível envolvimento de Jair Bolsonaro na trama. Até o fechamento desta matéria, a mesma história já tinha três versões diferentes.
Na primeira, antecipada durante live com o MBL na noite da quarta-feira 1, Do Val disse que soltaria uma bomba na Veja de sexta-feira sobre “a tentativa do Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele”. A própria revista foi obrigada a antecipar a publicação da reportagem “Mensagens de senador revelam operação golpista de Bolsonaro contra Moraes”. Segundo a Veja, Bolsonaro seria o idealizador do plano mirabolante, pelo qual o senador teria a missão de gravar Moraes, aproveitando-se de uma antiga relação de amizade. O objetivo era obter algum tipo de confissão de interferência do ministro no processo eleitoral, a fim de buscar sua anulação.
“Bolsonaro disse que já tinha acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente e que tem a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sob seu organograma, que daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários”, disse a revista, que reproduziu troca de mensagens entre Do Val e Silveira. Segundo a publicação, o então presidente teria detalhado como seria a operação.
A segunda versão da história saiu da mesma boca do senador do Podemos, durante coletiva convocada em seu gabinete após a imensa repercussão do caso. “Não houve, eu acho que saiu na imprensa aí que o presidente me coagiu (…) “Eu estava em um momento aí de muita raiva, foi aquele desabafo que você fica nervoso, qualquer discussão de casal você fala coisas e depois se arrepende do que fala, mas isso ai não aconteceu”, disse, se desdizendo e jogando a responsabilidade em Silveira. Nessa versão, Bolsonaro teria permanecido em silêncio durante o encontro, mas sem impedir que Daniel Silveira seguisse o suposto plano.
“O que ficou muito claro para mim era o Daniel tentando achar uma forma de não ser preso de novo […] Ficou muito claro que ele estava num movimento de manipular e ter o presidente comprando a ideia dele se um senador aceitasse a missão.” Coincidentemente, o agora ex-deputado federal foi preso na mesma manhã de quinta, mas por não cumprir medidas cautelares impostas por Moraes no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Intimado a prestar depoimento à Polícia Federal, Do Val ainda daria novos contornos à sua rocambolesca história. “Eu estou fazendo um movimento que eu vou chegar no Lula. Na próxima, eu vou chegar no Lula”, disse à GloboNews.
O movimento a que o senador se refere tem a ver com a tentativa de instalar uma CPI do 8 de janeiro, para apurar as responsabilidades de todas as autoridades no episódio. Do Val já criticou ostensivamente a omissão de Flávio Dino, que, na véspera, sabia do risco de depredação das sedes dos Três Poderes, mas nada fez, apesar de ser ministro da Justiça e da Segurança Pública. Também seria apurada a atuação (ou a falta de) do ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, nomeado por… Lula. Até agora, só autoridades ligadas ao governo do Distrito Federal viraram alvo de investigação — o governador Ibaneis Rocha foi afastado, enquanto o ex-secretário de Segurança Anderson Torres e o ex-comandante da PM Fábio Augusto Vieira acabaram presos. Com a confusão de versões, a chance de instalação de uma CPI se reduz drasticamente.
Em depoimento à Polícia Federal, Do Val apresentou seu celular com todas as mensagens trocadas com Daniel Silveira, Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro. Elas ainda serão periciadas, mas a impressão é de que o ex-deputado foi de fato o protagonista do enredo golpista. Como O Antagonista revelou, o próprio senador informou o ministro do Supremo sobre o desdobramento da reunião no Alvorada, em dezembro passado. “Quem está fazendo toda a movimentação com objetivo de levá-lo à perda de função e até à prisão é o DS. O PR não está fazendo nenhum movimento neste sentido. O DS que está tentando convencê-lo, dizendo ao PR que eu conseguiria adquirir as peças fundamentais para que a missão fosse um sucesso“, escreveu. A mesma mensagem teria sido reenviada logo depois a Bolsonaro, que respondeu lacônico: “Coisa de maluco.”
Revista Crusoé