Publicado em 22 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Camila Mattoso e Fabio Serapião
O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, propôs em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal uma reestruturação interna no órgão que tira a autonomia de delegados nas investigações de autoridades com foro especial e pode conceder superpoderes ao próprio chefe da corporação.
A manifestação ocorreu após pedido da PF para apurar supostos crimes do ministro Dias Toffoli delatados pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
MAIS INTERFERÊNCIA – Investigadores ouvidos pela reportagem veem na proposta um ataque do novo chefe da polícia às recentes ações do órgão. Eles falam também que se trata de uma tentativa de controle de apurações por parte do diretor-geral. A PF diz que não há prejuízo à autonomia de delegados.
Maiurino afirmou no documento, ao qual a Folha teve acesso, que a “direção da Polícia Federal vem estudando a implementação de mecanismos de supervisão administrativa e estruturação organizacional nos moldes daqueles adotados pela Procuradoria-Geral da República”.
No modelo do Ministério Público Federal, sugerido pelo diretor, todos os inquéritos que tramitam no STF e no Superior Tribunal de Justiça passam por pessoas indicadas e de confiança do procurador-geral da República.
BLINDAGEM DESCARADA – A medida seria necessária, escreveu o diretor-geral indicado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro, para a “melhor supervisão das investigações”, de modo a evitar “o ajuizamento de medidas” que refletem “tão somente o posicionamento individual de autoridades policiais”, mas que estão “em dissonância da posição institucional da PF”.
Na prática, na visão de investigadores ouvidos pela Folha, a mudança proposta é uma tentativa de controle e pode dar superpoderes ao diretor-geral porque todas as investigações de autoridades com foro teriam que ter obrigatoriamente uma supervisão da cúpula da PF. Além disso, pedidos de medidas cautelares, como buscas, quebras de sigilo e prisões, necessitariam de ciência prévia de Maiurino.
Atualmente, os chefes estaduais e diretores de áreas são responsáveis por avisar a cúpula sobre possíveis temas sensíveis. Cada gestão estipula o momento pra isso – na noite anterior ou na madrugada antes da deflagração, por exemplo. Nem sempre o diretor-geral fica sabendo de tudo, em razão do sigilo das medidas. Todas as ações são feitas com autorização judicial.
CASO TOFFOLI – A proposta consta de um memorando produzido pela direção-geral para subsidiar a votação dos ministros no julgamento do recurso da Procuradoria-Geral da República que pede a anulação do acordo de delação de Sérgio Cabral.
Nesse documento, a nova chefia da PF pede aos ministros que analisem a possibilidade de a corporação continuar negociando acordos de delação sabendo que a tal reestruturação resultará em reforço dos “mecanismos de supervisão e orientação institucional”.
O ministro Gilmar Mendes utilizou um trecho do memorando em sua decisão pela anulação do acordo de Cabral. Antes de citar a manifestação de Maiurino, o ministro diz em seu voto que chamou atenção no caso dos inquéritos com base no acordo de Cabral o fato de o delegado ter o poder de enviar pedidos diretamente ao STF, sem passar por um gabinete central, como no MPF.
ACORDOS DE DELAÇÃO – Nos bastidores, o memorando é defendido por aliados do diretor-geral como a única forma encontrada para evitar que a discussão sobre a anulação da delação de Cabral resultasse numa mudança de entendimento do STF sobre a possibilidade de a PF fechar acordos de colaboração.
A ideia seria sinalizar que possíveis erros não serão mais cometidos e que haverá um controle maior para evitar acordos vistos como problemáticos.
Por outro lado, delegados ouvidos pela Folha veem a sugestão de Maiurino como retaliação aos dois casos recentes que envolveram investigados com foro: o pedido de inquérito contra Dias Toffoli e o pedido de busca e apreensão contra o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É interessante notar como a política brasileira é surrealista. Em governos flagrantemente corruptos, como os do PT, não havia a menor interferência na Polícia Federal e a Justiça funcionava. Agora, num governo que se orgulha de não permitir corrupção, como o de Bolsonaro, criminosos deixaram de ser presos após segunda instância e a interferência do Planalto na Polícia Federal e na Procuradoria-Geral da República está se tornando verdadeiramente obsessiva. Mas quem se interessa? (C.N.)