Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Não há apenas fogo sob as cinzas. As labaredas estão na superfície, à espera de alguma ventania ou até de um ventinho qualquer, para alastrar-se pela Praça dos Três Poderes. Fala-se das conseqüências da decisão do presidente Lula, reafirmada em jantar com os líderes dos partidos da base oficial, de suspender todas as nomeações e liberações de verbas para os aliados, até que a Câmara aprove em segundo turno a prorrogação da CPMF.
Trata-se de uma queda de braço em cima do balcão de negócios: o presidente só nomeia depois da aprovação, mas grupos das bancadas governistas só aprovam depois das nomeações. Por certo que tamanho maniqueísmo pode ser superado pelo diálogo. Deputados existem, sequiosos de nomeações, mas dispostos a confiar e esperar.
Acontece que o chamado núcleo duro dos fisiologistas pode perturbar a segunda votação, que exige quorum qualificado de três quintos da Câmara. O exemplo da rebeldia de senadores do PMDB parece que pegou na casa ao lado, em especial porque, há dez dias, não valia essa postura rígida do presidente Lula. Ou ele não nomeou petistas para diretorias da Petrobras e penduricalhos?
Longe de ter sido estabelecida a concórdia nas relações entre Executivo e Legislativo, a situação continua tensa. Um lado precisa do outro, mas é o governo que detém o Diário Oficial. E nem se fala da etapa seguinte, de votação da CPMF no Senado. Dirão os otimistas que no fim tudo se resolve. É possível. Mas cresce o resíduo acumulado por essa prática do "toma lá, dá cá", que jamais alcançou níveis tão abomináveis. Um dia a casa cai...
Nunca foi assim
Para demonstrar aos desencantados jovens jornalistas de hoje que nem sempre foi assim, como andam generalizando, um grupo de velhos profissionais dispõe-se a resgatar a memória nacional. Tendo à frente Alfredo Viana, Helio Fernandes, Villasboas Correia, Wilson Figueiredo, Sebastião Nery, José Augusto Ribeiro, Murilo Melo Filho, Mauro Santayana e outros, até este que vos escreve, decidimos convocar os poucos políticos de antanho que ainda sobrevivem para uma espécie de reparação do passado confundido com o presente.
No restaurante Fiorentina, no Leme, no Rio, sábado, estarão submetendo suas lembranças ao primeiro debate mensal representantes de antigos partidos como Nestor Jost e Hermógenes Príncipe, do antigo PSD, Seixas Dória, da extinta UDN, e Wilson Fadul, do verdadeiro PTB. Eles procurarão demonstrar que a Oração de São Francisco, se era rezada nas décadas de 40, 50 e até 60, acontecia em níveis e ritmo mínimos, quase imperceptíveis.
Nada que se pudesse comparar aos dias de hoje. Lembrarão os governos dos ex-presidentes Eurico Dutra, Getúlio Vargas, Café Filho, Nereu Ramos, JK e, com um pouco de boa vontade, Jânio Quadros. Depois, dentro da peculiaridade dos governos militares e, com maior ênfase, a partir na Nova República, foi o que se viu e se vê...
Experiências renovadas
Quem deu a partida foi Leonel Brizola, nos dois governos no Rio de Janeiro, estimulado por Darcy Ribeiro. Foram criados os Cieps, colégios destinados a manter os alunos em suas dependências o dia todo. Aulas, alimentação, esportes e artes abrigariam meninos e meninas nas escolas, impedindo que a maioria ficasse jogada pelas ruas. Fernando Collor tentou copiar o modelo, mas suas boas intenções viram-se obstadas por PC Farias e companhia, deixando a experiência levada ao plano federal como mero sonho de noite de verão.
Para não ficarmos abordando apenas crises, vale um registro: no Ministério da Educação, parece que por determinação de Lula, ressurgirá a proposta, em entrosamento com governos estaduais e prefeituras. Impossível não é.
Brincadeira
O Ministério do Futuro foi enfiado na cartola por decisão do Senado. De lá, o mágico tira o Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos. Um igual ao outro. No futebol até que seria lícito substituir um craque lesionado por outro. Mas na Praça dos Três Poderes, será no mínimo brincadeira. Se o Senado rejeitou a MP que criava o Ministério do Futuro, terá sido porque a maioria discordou.
Mesmo se admitindo terem senadores do PMDB agido em represália por ter o governo nomeado companheiros para diretorias de estatais, em vez de seus preferidos, o fato está na rejeição da medida provisória. Lula menospreza o Congresso ao criar a mesma estrutura por decreto. Terá o ministro Mangabeira Unger tanta influência assim, ou será monumental a agressividade de Lula diante do Legislativo? O pior é que tanto Ministério do Futuro quanto Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos significam a mesma coisa: nada...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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