Por: Renata Mariz
Do Correio Braziliense
05/12/2006
07h47-Os efeitos da crise no sistema aéreo atingem em cheio os nervos de quem depende de avião para se locomover. Mas as aeronaves militares têm conseguido escapar dos atrasos. Desde o início da operação-padrão dos controladores de vôo, os aviões militares utilizam um expediente da Aeronáutica para ganhar prioridade nas filas de decolagem e pouso. É simples: os pilotos classificam a viagem como Vôo de Circulação Operacional Militar. No jargão militar, Vocom. Com isso, as aeronaves militares passam a ser monitoradas por um controle específico, da Defesa Aérea, burlando as medidas de retenção de fluxo. Com o aumento de Vocoms após a crise, controladores que cuidam das aeronaves civis temem pela segurança no céu brasileiro.
Se por um lado o controle dos aviões comerciais é desafogado com boa parte das aeronaves militares em Vocom, e sob a responsabilidade da Defesa Aérea, por outro, as chances de acidente aumentam. “É perigoso ter muitos tráfegos (aviões) num mesmo espaço, sendo que parte deles se reporta a um controle, e parte a outro”, avalia um militar que prefere não se identificar. Embora a Aeronáutica informe que o número de Vocoms, bem como a legislação que os rege, seja sigiloso, o Correio apurou que, em outubro, após o acidente da Gol, quando os controladores começaram a seguir à risca o manual de segurança, provocando atrasos nos vôos, a ocorrência de Vocoms aumentou cerca de 300%.
Enquanto a média mensal até setembro deste ano era de aproximadamente 100 Vocoms, o mês de outubro fechou com pouco mais de 400. Dois controladores ouvidos pela reportagem não souberam confirmar, com absoluta certeza, os números, mas foram unânimes em dizer que a quantidade de Vocoms cresceu substancialmente após o acidente. “Existe a intenção de se beneficiar do sistema para burlar o controle de fluxo, mas às vezes batemos o pé e não permitimos que a aeronave fique muito tempo com prioridade total”, afirmou um operador. “O que nos preocupa é a possibilidade de um novo acidente.”
A precaução tem razão de ser. Registros de incidentes — ou quase acidentes, no jargão do controle aéreo — envolvendo aviões militares são comuns. Em 13 de novembro, até o ministro da Defesa, Waldir Pires, correu perigo. O jatinho Lear Jet da Força Aérea Brasileira (FAB), que trazia Pires do Rio de Janeiro para Brasília, passou a 2 milhas náuticas de distância (3,7km) de um Airbus da TAM que havia acabado de decolar da capital federal rumo a São Paulo. O mínimo aceitável são cinco milhas náuticas (9,25km).
O jatinho com o ministro a bordo estava sendo monitorado pelo controle da Defesa Aérea. Já o avião da TAM voava sob o olhar dos controladores que operam os vôos de carreira. As duas equipes, que ocupam salas diferentes no 1º Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle Aéreo (Cindacta 1), perceberam a possibilidade de choque a tempo. Então, os controladores civis orientaram o piloto do avião da TAM a fazer uma manobra evasiva, ou seja, mudar abruptamente de rota.
Legislação sigilosa
Não há nada de ilegal no Vocom. A Aeronáutica informou que a legislação, embora sigilosa, prevê algumas categorias para essa modalidade de vôo, que fica nas mãos da Defesa Aérea. Mas insiste que pode ser utilizado em “qualquer circunstância”. Na prática, significa que basta o piloto nomear. No entanto, é consenso que o procedimento deve ser tomado em situação especial — de treinamento militar, guerra ou interceptação de aeronaves não identificadas. Aí está a grande preocupação dos controladores da aviação comercial.
“Eles (controladores da Defesa Aérea) foram treinados para juntar aviões, fazer interceptações. Nós trabalhamos para separar as aeronaves”, disse um profissional com mais de oito anos de experiência. “Com tanto Vocom, é difícil trabalharmos em sintonia. Vejo o avião militar na minha tela, mas não o controlo. Eles, por sua vez, não controlam os meus tráfegos. Mas as aeronaves estão todas no mesmo espaço”, explica.
Outra atitude da Aeronáutica que preocupa os controladores é a transferência de profissionais da Defesa Aérea para o tráfego civil. No Cindacta 1, pelo menos cinco foram remanejados, numa tentativa de conter o déficit de pessoal. “Como eles têm outro tipo de treinamento, estão aprendendo o bê-á-bá ainda”, afirma um controlador. “Parece até que estão querendo outro acidente.”
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