Publicado em 26 de maio de 2022 por Tribuna da Internet
Julia Affonso, Vinícius Valfré e André Shalders
Estadão
Exatamente como aconteceu no escândalo da distribuição de tratores superfaturados, o governo de Jair Bolsonaro passou a comprar também centenas de caminhões por meio de pregões duvidosos realizados por órgãos controlados pelo Centrão. A distribuição de caminhões compactadores de lixo em redutos da base aliada não observou a realidade de dezenas de municípios nem critérios técnicos consolidados na gestão de resíduos sólidos.
Assim, está comprovado que o governo Jair Bolsonaro superdimensionou a necessidade de pequenos municípios e privilegiou regiões de aliados, deixando outras cidades sem veículos.
SUPERFATURAMENTO – Como revelou o Estadão, até agora, o governo já garantiu R$ 381 milhões a pedido de parlamentares para a compra dos caminhões de lixo. Desse total, R$ 109,3 milhões apresentaram indícios de superfaturamento. O investimento público em coleta de lixo virou foco de despesas milionárias fora do padrão e participação de empresas fantasmas. O Planalto não respondeu aos questionamentos do jornal.
O esquema dos caminhões aponta também a ausência de uma política pública para aprimorar a gestão de resíduos sólidos nas cidades que mais demandam. Além disso, mostra que o papel de identificar os gargalos foi transferido a um grupo de parlamentares mais próximo ao governo.
Segundo o Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), moradores de cidades com até 200 mil pessoas produzem entre 0,45 e 0,70 kg de resíduos por dia. A estimativa para municípios maiores é de 0,8 a 1,2 kg de lixo por habitante a cada dia. A cidade de Juti (MS), com 6.861 habitantes, porém, informou à Funasa que a estimativa de lixo produzido diariamente por morador era de 1,1 kg.
SEM CONTROLE – Dimensionar corretamente a quantidade de lixo produzido por habitante é o principal parâmetro para saber a real necessidade dos municípios e evitar sobrepreço ou superfaturamento na compra de caminhões, segundo o Ibraop. Sem seguir esse critério, o governo pode abrir caminho para possíveis fraudes e desperdícios.
Anhanguera (GO) ganhou, em fevereiro, um caminhão compactador de lixo novo. A coleta sempre foi feita com outros tipos de veículos, mas agora o município dispõe de um compactador.
De acordo com os padrões nacionais de produção de lixo, os 1.170 moradores da cidade deveriam produzir até 800 kg de lixo por dia. A prefeitura faz outra conta. Diz que a produção chega a 5 toneladas somente nas sextas-feiras.
CAMINHÃO INÚTIL – O veículo chegou antes de outras prioridades em Anhanguera. Ainda não há lixeiras públicas, por exemplo. Os itens deverão ser comprados até o fim do ano. Enquanto isso, os moradores recorrem a latões. A coleta ocorre somente pela manhã, três vezes por semana. Na maior parte do tempo, o caminhão permanece estacionado.
Em Guapó (GO), há um aterro sanitário de uma empresa privada que recebe o lixo produzido por municípios do entorno. Apesar dos impactos, a cidade de 14.206 habitantes vive uma contradição.
Ficou de fora da lista de contempladas por políticos, e o prefeito Colemar Cardoso (PSDB) usou R$ 500 mil dos cofres municipais para evitar o colapso do sistema de limpeza urbana. “Tenho dois alugados e dois nossos. Estão muito velhos e quebram bastante”, disse o tucano.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não há nada de novo. É a corrupção que caracteriza o espécime político do Centrão. O jornal já publicou que uma empresa sediada numa casa abandonada vendeu R$ 12 milhões em caminhões de lixo para o governo, e não acontece nada. Municípios necessitados não são atendidos, enquanto municípios com pouco recolhimento recebem caminhões de última geração. É o retrato do Brasil novo normal. (C.N.)