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sábado, novembro 30, 2019

Brasil deveria imitar o Chile no corte dos salários, mas fazendo o serviço completo


Charge reproduzida do Arquivo Google
Carlos Newton
A Câmara dos Deputados do Chile aprovou nesta quarta-feira (dia 27), por unanimidade, a redução de 50% do salário das autoridades mais importantes do país, incluindo presidente, ministros, subsecretários, governadores e os próprios parlamentares. Para entrar em vigor, o projeto deve passar pelo Senado. Um parlamentar chileno ganha cerca de nove milhões de pesos chilenos, equivalente a R$ 48 mil mensais.
Essa diminuição dos salários foi uma das desesperadas promessas do presidente Sebastián Piñera, que tenta conter as manifestações que ocorrem no Chile há mais de um mês.
É SÓ FINGIMENTO – A decisão não é para valer, porque a medida tem caráter transitório e não cortará os benefícios extras dos parlamentares. Além disso, ficou pela metade e não vale para prefeitos, juízes e integrantes do Ministério Público.
Se o Chile caminhasse para uma solução concreta, que atingisse todos os altos salários de autoridades, seria o primeiro país a iniciar a solução do principal problema que causa essa crise – a desigualdade social.
Na visão dos economistas de maior destaque da atualidade, o francês Thomas Piketty e o indiano Raghuram Rajan, o maior desafio é realmente a desigualdade social, que está causando essa onda de protestos em diversos países, simultaneamente.
CURRÍCULOS – Piketty, ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e da Escola de Economia de Paris, é autor de dois importantíssimos livros de análise do Capitalismo Moderno, enquanto Rajan é ex-diretor do Banco Central da Índia, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveu “The Third Pillar: How Markets and the State Leave the Community Behind” (“O Terceiro Pilar: Como os Mercados e o Estado Deixam a Comunidade Para Trás”), em que adverte sobre as deficiências do capitalismo. e atualmente é professor da Universidade de Chicago.
Rajan se tornou famoso ao prever a grande crise de 2008. Desde 2005, o economista indiano vem advertindo para a necessidade de ser reduzida a desigualdade social, que é também a tese de Piketty e aqui no Brasil é partilhada por Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central.
Em recente entrevista de uma hora na GloboNews, Armínio Fraga disse que reduzir a desigualdade social deveria ser a prioridade número um do Brasil, sob argumento de que “a desigualdade impede o crescimento”. Espantada, a jornalista Miriam Leitão lhe perguntou: “O senhor é de esquerda”? Fraga nem respondeu, apenas disse ter estudado a questão e concluído que, sem diminuir a desigualdade, não há como crescer. “E a desigualdade sequer está na pauta do governo”, lamentou.
ESTADO FORTE – Em tradução simultânea, não se trata de enfraquecer o Estado, porque não existe país que tenha se desenvolvido sem uma máquina estatal robusta. O que não se pode admitir – na visão de Piketty, Rajan e Fraga – é que servidores públicos recebam salários superiores aos da iniciativa privada e trabalhem pouco.
Um grande exemplo no Brasil é o funcionamento do Judiciário. Os magistrados, além de terem duas férias anuais, trabalham quando bem entendem e geralmente chegam ao Fórum depois do almoço. A sexta-feira, por exemplo, já virou “day off”, nenhum juiz trabalha nesse dia, e estamos conversados.  Além disso, os juízes não obedecem a prazos processuais, não estão nem aí, quem deve respeitar são os advogados e os integrantes do Ministério, que muitas vezes nem o fazem, e fica tudo por isso mesmo.
O Código do Código de Processo Civil determina que o juiz deve proferir seus despachos no prazo de dois dias e suas decisões em dez dias. Se isso não acontecer, de acordo com a legislação, tanto os juízes como os membros do Ministério Público “perderão tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos”. Além disso, “na contagem do tempo de serviço, para promoção e aposentadoria, a perda será o dobro dos dias excedidos” Mas é claro que se trata de uma “lei vacina”, do tipo que “não pegou”, pois nenhum juiz é punido.
GUEDES ESQUECEU – O fato concreto é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora só abriu seu baú de maldades contra cidadãos da classe média para baixo. Os privilegiados integrantes da nomenklatura cabocla continuam inatingíveis, é como se vivessem em outro país, ou na Ilha da Fantasia, que é o apelido de Brasília.
Guedes merece apoio total por ter levado os juros oficiais da Selic a seu patamar mais baixo, porém não fez o dever de casa direito, excluiu os militares da reforma inicial da Previdência e não tocou nos privilégios da nomenclatura. Ou seja, agiu como os deputados chilenos, que deixaram a solução pela metade.
Desse jeito, nem Chile nem Brasil vão resolver seus problemas políticos e econômicos, porque a desigualdade parece que só vai aumentar.
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P.S. –
 Essa situação mal resolvida nos faz lembrar o genial francês Montesquieu, que em “O Espírito das Leis” (1748) afirmou: “O peso dos encargos produz, primeiro o trabalho; o trabalho produz o cansaço; o cansaço produz o espírito de preguiça”. E faz lembrar também o historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927), que bolou a Constituição de dois artigos: 1) “Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara“; 2) “Revogam-se as disposições em contrário”. (C.N.)

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