No lamentável pluripartidarismo brasileiro, os partidos (PT-PMDB) brigam por cargos. Mas não conseguem chegar perto do mais importante de todos: a Casa Civil. Na posse, derrotados e reabilitados.
Helio Fernandes
Houve muita surpresa na posse de Dona Dilma. Alguns não deviam nem ser convidados, outros assombrosamente empossados. A tranquilidade com que Dona Erenice Guerra transitava pelos salões, novidade para muitos, naturalidade para poucos. Estes sabiam que o já quase ex-presidente Lula, na véspera, mandara arquivar os processos contra ela.
Lula ratificou o parecer da comissão de investigação que ele mesmo criou e nomeou: “Não existe prova nem culpabilidade”. Não foi o culto à impunidade que o já ex-presidente tanto pratica, e sim a impossibilidade de contrariar a realidade.
Como punir, execrar e condenar a Chefe da Casa Civil de Dona Dilma, que disse várias vezes: “Ela é minha mão e meu braço direito. Sem ela, não sei o que fazer”. Nada de novo (no front ocidental?) se Dona Erenice Guerra voltar ao Diário Oficial com uma nomeação pelo menos extravagante.
A maldição, assombração ou empolgação da Chefia da Casa Civil dominavam e dominaram a cerimônia de posse, e outras, subsequentes, consistentes, consequentes ou inconsistentes. A glorificação maior ficava por conta da própria Dilma. A primeira a ocupar esse cargo consagrador, se transformou na “primeira mulher a chegar à presidência da República”.
O primeiro a ocupar esse cargo, e já destinado a ser o sucessor de Lula, também presente. Seu nome? José Dirceu. Poderoso mesmo, antes da primeira posse, durante o primeiro mandato, é quase inacreditável que tenha sido afastado, desprezado e derrotado por um episódio menor e insignificante, que se chamou “escândalo da Loterj”.
O assessor de total confiança de José Dirceu, era o precursor da Era de Dona Erenice. A sorte de Dona Dilma é que não estava mais no poderoso cargo, ficou apenas com o constrangimento da indicação e da usurpação dessa indicação. Mas pelo visto, Dona Erenice já recuperou a confiança do ex-presidente, (que a inocentou) e da sucessora (que a convidou).
Dirceu, sem dúvida mais competente do que todos que passaram pelo cargo, foi demitido e atingido pelo tufão chamado mensalão. E as 7 horas do discurso de Roberto Jefferson, um dos raros vistos pelo país inteiro. Apesar do então deputado do PTB, ter dito, “contei tudo ao presidente Lula, que me respondeu que não sabia de nada”.
Poupado pela oposição desnorteada, desorientada e desarvorada, Lula se salvou, se consolidou, se recuperou. Fez até a sucessora, embora nos planos que traçou e planejou, o ocupante do Planalto por mais quatro anos (a partir de 2010) fosse ele mesmo e não a primeira mulher a sair vencedora.
Se o presidente confessou, “não sabia de nada” (e depois se refugiou nessa frase), pelo rumo dos acontecimentos, José Dirceu devia saber de tudo. Pois apesar de ter respondido ao discurso de Jefferson, Dirceu não escapou da cassação, do ostracismo, do abandono. Ele nunca disse publicamente, mas culpa o próprio Lula por tudo o que aconteceu.
Na Câmara, Jefferson foi empolgante, Dirceu apenas hilariante. Em algumas afirmações fez rir toda a platéia. Principalmente quando, atendendo a uma indagação, respondeu perguntando: “Eu, arrogante?” Era mesmo para rir. Ele não foi outra coisa a partir dos tempos em que chamava Lula de “você”, e Lula, mesmo presidente, chamava-o de “senhor”.
Assim como Jefferson, Dirceu foi cassado. Para o deputado do PTB, um simples acidente de trabalho, continuou dono e senhor do PTB, ficou na presidência do partido. Para Dirceu, desastre e calamidade completa. Não perdia a presidência do partido, que jamais lhe interessou, e sim a presidência da República, que lhe estava destinada pelos deuses, perdão, pelo Deus único que passou a ser Lula.
Depois de atravessar esse oceano de acusações, Lula se transformou em herói nacional, Dirceu naufragou num mar de impurezas, Lula não jogou nem uma corda para que não submergisse. Dirceu não se salvaria de maneira alguma, Lula já percebera a força que acumulara, começou a devastação de todos os que podiam pretender sucedê-lo.
Foram muitos. Até o senador Aloizio Mercadante, que jamais teve a menor chance, mas se empossou no Senado, acreditando que precisava convocar o suplente, iria direto para o Ministério da Fazenda. Não foi. Desgastado durante 7 anos, no último, líder no Senado, pediu “demissão irrevogável”, Lula OBRIGOU-O a se desdizer e a continuar como líder sem liderança.
Neste “passeio” pelo mais importante cargo palaciano, o vergonhoso, perigoso e até alarmante, é a reabilitação de Antonio Palocci. Sua entronização na Chefia da Casa Civil é até deprimente. Basta mudar apenas uma palavra no excelente filme de Elio Petri, “Um cidadão ACIMA de qualquer suspeita”. Mudando uma palavra e Palocci reconheceria: “O personagem sou eu”. É mesmo.
Veio de Ribeirão Preto cheio de acusações, suspeitíssimo, ninguém tinha a menor dúvida sobre as irregularidades acumuladas na prefeitura. E até no que aconteceu depois, quando já não estava mais lá, mas dominava os acontecimentos, mesmo de longe. As lágrimas que a agora Ministra, Miriam Belchior, derramou pelo marido assassinado, poderiam muito bem respingar em muita gente na posse. Pois o assassinado Celso Daniel, mais competente, por todos os ângulos, do que muitos dos que estavam “prestigiados”.
Surpreendendo a todos, Palocci foi Ministro da Fazenda, nos chamados círculos do Poder, ninguém entendeu nada. E mais estapafúrdia, que palavra, a insistência com que Lula repetia: “Espero que Palocci me dê sinal verde para baixar os juros”.
Isso jamais aconteceu. O “sinal verde” de Palocci se chocava com seus próprios interesses “vermelhos e negros”. Foi demitido desprezivelmente pelos fatos que aconteciam na mansão do Lago, alugada pelos amigos de Ribeirão. Exposto, perseguiu um simples caseiro. Julgado pelo Supremo, não foi ABSOLVIDO nem CONDENADO, era tão desprezado no julgamento quanto na demissão acintosa do ministério.
Ficou no ostracismo, sem casa oficial, sem salário (nem precisava), sem cargo, sem idoneidade, condição que nele era congênita e adquirida. Quando foi chamado para a campanha eleitoral, mais espanto, era evidente que assistíamos a uma ressurreição.
***
PS – Dos quatro que ocuparam a Chefia da Casa Civil e estavam na posse, o mais vulnerável, degradado, desgastado, desprestigiado, desprezado, sem dúvida alguma era o próprio ocupante do cargo.
PS2 – E mais assombroso: foi ele que exigiu e ganhou esse cargo. Sabe que ali mora o perigo, mas é também a habitação da ambição. E afinal, depois de tudo o que lhe aconteceu, não podia acontecer nada melhor do que o segundo cargo em importância no próprio Planalto.
PS3 – Esperemos Dona Dilma definir o que é G-O-V-E-R-N-A-R. Será cortar gastos? Investir? Estabelecer prioridades? Ou se firmar nas reformas indispensáveis, sem as quais não governará?
Helio Fernandes |/Tribunadaimprensa
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quarta-feira, janeiro 05, 2011
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