Carlos Chagas
Com todo o respeito, mas o espírito do Chacrinha outra vez sobrevoa Brasília. Para os mais jovens e os sem memória, Chacrinha era aquele que anunciava não estar na televisão para explicar, e sim para confundir.
Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, há mais de dois anos viu-se excluído das reuniões da base governista, não obstante seu partido constituir-se no mais fiel seguidor do presidente Lula, acima até mesmo do PT. Desde a lambança do mensalão, que denunciou e por isso acabou cassado, Jefferson não entra no gabinete presidencial ou, muito menos, janta no palácio da Alvorada ou na Granja do Torto. Telefonemas do chefe, ou para o chefe, nem pensar. Mas controla o PTB com mão-de-ferro e determina a seus deputados e senadores férreo alinhamento com as determinações do governo.
Só que de vez em quando o ex-deputado fluminense embaralha tudo. Revelou-se, no fim de semana, que além de oferecer a legenda, convidou Henrique Meirelles para ser o candidato do PTB à presidência da República. A resposta ainda não chegou, mas o simples convite lembra o desempenho do Chacrinha quando perguntava ao auditório ensandecido “vocês querem bacalhau?”, e imediatamente alvejava os fãs com pedaços do próprio.
Sabendo que o presidente Lula faz muito lançou Dilma Rousseff, qual o objetivo de Roberto Jefferson, aliás, acolitado pelo líder do PTB no Senado, Gim Argello? Criar a confusão nas já combalidas hostes oficiais, dada a fragilidade até agora cercando a candidata? Enfraquecer José Serra, tendo em vista a aparente identidade entre os tucanos e o presidente do Banco Central, em termos de política econômica?
Quem quiser responda, mas a imagem que fica é a do inesquecível animador das telinhas, nos tempos em que o mundo parecia mais simples e a política, menos burlesca.
País sem memória
Na última sexta-feira o senador Pedro Simon foi à tribuna apenas para lembrar que a 7 de abril de 1997 o então presidente Fernando Henrique sancionou a lei 9.454, aprovada pelo Congresso, criando o registro único para os cidadãos. Os brasileiros seriam identificados apenas por um conjunto de números, em vez de mil hoje devidos a cada um, como carteira de identidade, título de eleitor, CPF, carteira de habilitação, registro de nascimento e casamento, certidão do INSS e tantos mais.
A lei, como um monte de outras, ficou até hoje sem regulamentação, quer dizer, não pegou. Mas existe, bastando que o governo determine o início do processo de uniformização.
Qual a surpresa do senador gaúcho ao verificar que o Senado, naquela semana, havia aprovado projeto estabelecendo o registro único? Uma repetição, um vídeo-tape, um DVD do que já havia virado lei. Uma desconsideração com a memória do próprio Poder Legislativo. Acresce que agora novos números nos assolam: do cartão de crédito, da senha bancária, do computador, do celular e quantos mais?
Serra em sinuca
O governador José Serra insiste em que só apresentará seu programa ano que vem, se vier mesmo a ser candidato. Por enquanto, apenas respostas genéricas a respeito da situação nacional e de um projeto para o país.
Coincidência ou não, mesmo sem maior estratégia, o governo vem levantando certas definições que não poderão demorar a ser enfrentadas pelas oposições. Serra calado pode equivaler a Serra cobrado.
Tome-se a entrevista concedida à Folha de S. Paulo, domingo, pela ministra Dilma Rousseff. Ela sustentou que a tese do “estado mínimo” é falida e ultrapassada. Não só para os tucanos a afirmação soou como um sacrilégio. A maior parte do mundo empresarial, mesmo arcabuzada pela crise econômica, permanece fiel aos postulados do neoliberalismo. Num primeiro movimento, a impressão é de que Dilma falou demais, ou falou o que não devia, mas, na verdade, é o contrário. A candidata definiu-se. E seu oponente, diz o quê? Ficará em cima do muro ou estará obrigado a concordar com ela? Porque essa, faz muito, parece a concepção do governador, pouco alinhado com os mandamentos de seu pano-de-fundo. Só que ficando em silêncio, despertará dúvidas. E dúvidas fazem balançar votos…Um passo adiante?
No palácio do Planalto e no Itamaraty trabalha-se em tempo integral na elaboração do discurso do presidente Lula, semana que vem, pela abertura dos trabalhos da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Será a primeira vez que o presidente americano, Barack Obama, assistirá de corpo presente “o cara” falando na maior reunião internacional do planeta.
Há quem defenda, entre os assessores mais próximos do Lula, a importância de um passo adiante ser dado na trajetória de nossa atual política externa. O presidente brasileiro já falou da fome zero, das necessidades ecológicas do planeta, do etanol, do desarmamento e da importância de os países ricos atuarem em favor dos países pobres. O petróleo do pré-sal não seria, propriamente, um tema novo, tantas vezes tem sido exposto. Em poucos dias saberemos, e quem mais quer saber é o governo de Washington, porque Obama discursará imediatamente depois do Lula.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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