Pedro do Coutto
Em sua coluna no Globo, leitura política obrigatória, Merval Pereira, edição de 27 de agosto, alçou voo histórico, uma ponte da era Vargas à era Lula, partindo da forte presença sindical na administração de ontem e na administração de hoje. Ouviu, como sempre faz, pessoas qualificadas, entre as quais notadamente a professora Maria Celina Araujo, do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. A FGV é seguramente a maior fonte da história moderna do país, inclusive sob o ângulo interpretativo.
O de análise, no qual, vale acentuar, residem as maiores dificuldades de se traduzir o passado em linguagem lógica do presente. Com o alto nível de sempre, Merval deu como exemplo de ocupação sindicalista do espaço público a crise na receita Federal. Crise que já causou até o momento em que escrevo, nada menos que sessenta demissões de titulares de cargos comissionados, uma avalanche em consequência da exoneração de Lina Maria Vieira.
Do getulismo ao lulismo, escreveu Pereira, traçando um roteiro. Percorrido por Maria Celina que usou uma ironia, para focalizar a mão e contra mão do ciclo político sindical. Disse ela: o PTB começou assim. E o PT está acabando assim.
O brilho das palavras e dos raciocínios florentinos do jornalista e da historiadora, entretanto, não iluminou a meu ver as diferenças essenciais que separam o Partido dos Trabalhados Trabalhadores do Partido Trabalhista Brasileiro. Getúlio Vargas, depois de quinze anos no poder, oito dos quais em ditadura total, tentando candidatar-se novamente à presidência na redemocratização de 45 (movimento queremista e continuista como foi chamado), criou o PTB sobre um arcabouço sindical. É verdade. Mas não só isso.
Ao mesmo tempo, na época não existia a fidelidade partidária, criou também o PSD de Benedito Valadares, Amaral Peixoto, Juscelino, Gustavo Capanema, Nereu Ramos. O PTB de sentido reformista. O Partido Social Democrático, de sólidas bases rurais, uma agremiação essencialmente conservadora. JK, com seu ímpeto desenvolvimentista, uma exceção. Em 1945, o eleitorado era de 7 milhões de votantes, quinze por cento da população. Vargas, como sempre dual, mas não dúbio, buscava um plano de equilíbrio contra a UDN que a ele se opunha. Era o pós guerra.
Os partidos comunistas ganhavam força numa série de países, consequência da aliança Inglaterra – Estados Unidos-URSS contra o nazismo de Hitler. Mas não no Brasil. Por quê? Porque o trabalhismo de Vargas, utilizando conquistas legítimas como a CLT de 43 que fez a passagem da semi escravi9dão para o direito do trabalho, arrebatou a plataforma social das mãos dos comunistas e assim impediu um avanço mais expressivo da foice e do martelo, símbolos aliás internacionais.
Nas urnas, o então PCB só conseguiu um resultado forte a seu favor no Rio, quando Luis Carlos Prestes foi eleito senador. Mas junto (eram duas as cadeiras) com o líder católico e udenista Hamilton Nogueira, 121 mil votos cada um. Mas esta é outra questão. Pertence ao passado e à memória da FGV a que oportunamente recorreu Merval Pereira.
O lulismo é diferente. Não possui o caráter ideológico conseqüente de que se revestiu o varguismo. Em 45, sem dúvida, os sindicatos estavam a serviço da liderança de Getúlio, cujo nome sem dúvida gritavam como claque, nas concentrações no campo do Vasco da Gama, em São Januário. Hoje, os sindicatos estão mais a serviço de si mesmos do que das reivindicações justas dos valores do trabalho. Ao lado do governo, claro. Mas não exprimem ou interpretam impulsos ideológicos. Pelo contrário. Tornam-se parte da fisiologia interna do poder. São sombras do passado. Capitalizaram-se.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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