Deputado compara denúncia contra ele a propaganda de xampu, e cota de passagens aéreas da Câmara a vale-transporte. Ele defende benefício para transportar parentes
Lúcio Lambranho
Réu em ação por improbidade administrativa há 14 anos, o deputado Moreira Mendes (PPS-RO) reclama da demora da Justiça em seu julgamento e diz que não há prova de que ele tenha se apropriado de recursos por meio da venda irregular de passagens aéreas à Assembléia Legislativa do estado. O deputado recorre a um clássico da propaganda brasileira dos anos 80 para se defender: “Lembra daquela propaganda que tinha do Denorex? Parece, mas não é. Parece xampu, mas não é xampu. É o mesmo como meu processo, parece que é, mas não é”.
Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Moreira Mendes diz que a cota de passagens aéreas da Câmara deveria ser usada pelo parlamentar como bem entendesse. “Estou convencido de que a cota de passagens é igual a um vale-transporte. Quem tem usa seu vale-transporte como lhe convém”, afirma. “Achava e continuo achando que é legítimo usar aquilo que sobrou da minha cota, que foi conseguido voando de noite e de comprar tarifa mais barata”, acrescenta.
Moreira Mendes está em seu primeiro mandato na Câmara. Foi senador entre 1999 e 2003. Ele se filiou ao PPS em 2005. Antes, passou pelo PFL (hoje DEM), pelo PDT e pela Arena.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – O senhor era procurador da Assembléia Legislativa na época dos fatos narrada pela denúncia do Ministério Público?
Moreira Mendes - Isso. Mas não tem nada haver com a Procuradoria. Minha participação como um dos réus nessa ação é por conta de eu ser sócio de uma empresa que prestava serviço para a Assembléia. Tanto eu como minha ex-mulher.
A sua ex-mulher também era funcionária da Assembléia?
Nunca foi. Eu sim, procurador de carreira, inclusive já aposentado. Naquela época eu estava à disposição de outro órgão que eu não lembro qual era. Isso tem forte conotação política daquela época. É um fato que me incomoda muito.
Por que esse processo tramita há tanto tempo?
É um processo complicado. É um processo que foi fabricado e que não tem provas. O juiz tem uma batata quente nas mãos. Ou ele julga de acordo com a pressão política, ou fica aqui e acolá alguém fazendo esse tipo de ilação de por que o processo demora tanto tempo. Como se isso fosse uma proteção a mim ou a qualquer um dos outros réus. Por que a batata quente? Por que ele não tem elementos para julgar e condenar. Se condenar, com certeza, vou rever numa instância superior. Eu gostaria muito que esse assunto já tivesse sido liquidado na primeira instância. Para me dar chance de eu ir para uma segunda instância e quem sabe vir aqui até o Supremo. Aquilo me incomoda muito. Eu não acompanho o processo e nunca consegui sentar numa mesa, pegar aquilo e ler tudo. Aquilo me incomoda profundamente. Não tem sentimento pior para uma pessoa do que do que o sentimento de injustiça. Pagar por uma coisa para você não cometeu é uma coisa terrível. As provas não estão concluídas. Nós pedimos uma segunda perícia, mas o segundo perito não conseguiu concluir por que sumiram os documentos. No processo não tem um documento original. É só fotocópias. Como é que você pode jogar a vida de uma pessoa dentro de um buraco desse com um monte de fotocópias e sem provas?
Quem extraviou os documentos?
Quem foi eu não sei, mas foi na Justiça, lógico. Houve uma CPI num determinado momento lá que teve fortíssimas conotações políticas. Inclusive quem presidiu a CPI é um colega meu deputado aqui, Mauro Nazif, meu amigo. Ontem, só um fatozinho aqui, eu descendo o elevador ele escutou eu falando com o advogado. Ele está aqui, disse para o meu advogado, com a cabeça baixa vendo o problema que ele me causou. Ai ele vira para mim e diz o seguinte: ‘É Moreira, você tem razão eu fui injusto com você’. Hoje ele sabe, mas isso é detalhe. O que eu posso dizer sobre o processo é que a minha defesa está feita. Você não precisa acreditar no que eu estou dizendo até porque você nunca vai ouvir de alguém que responde a processo dizer que é culpado. O juiz não julgou por culpa nossa e dos nossos advogados. Não há uma única petição nossa lá dentro e nenhum recurso. Realmente, é um processo complicadíssimo.
Mas qual é a sua defesa nesse processo, deputado? É a falta de provas?
Não. Falta prova dentro do processo. E ainda que tivessem não seria verdadeiro. É uma coisa muito complicada. Se eu fosse explicar aqui, nós iamos perder... O processo de emissão daquela época era outra coisa completamente diferente de hoje, feito eletronicamente. E você trabalhar numa Casa - lá são 24 deputados - é complicado. São 24 patrões incomodando, dizendo que quer aquilo e quer isso. Cidadão que tira uma passagem para ir para Brasília, mas vai lá e diz que quer ir para Manaus e bota mais essa mulher aqui que quer levar. O que você vai fazer? Você como dono da agência tem que cumprir. Lembra daquela propaganda que tinha do Denorex? Parece, mas não é. Parece xampu, mas não é xampu. É o mesmo como meu processo, parece que é, mas não é.
Pelo nosso levantamento dos 356 registros de voos, entre janeiro de 2007 a março de 2009, o senhor usou 73 voos da sua cota de passagens aéreas da Câmara. O que o senhor tem a dizer sobre o uso da sua cota por seus parentes?
Aqui nós somos muito demandados, primeiro pela família. E segundo, muito demandados por amigos, por correligionários e pessoas que ajudam na campanha. Por amigos que levam problemas de terceiros, sobretudo de saúde. E você tem que ajudar essas pessoas. Eu tenho aqui um trabalho de botar gente no Sara Kubitschek. Foi assim no Senado, na Câmara. Eu coloco emendas no Sara e este ano eu vou colocar no hospital de Barretos. Então como é que eu faço? Eu usava como todos os deputados e senadores. Estou convencido de que a cota de passagens é igual a um vale-transporte. Quem tem usa seu vale-transporte como lhe convém. Vai lá no supermercado e compra alimentos ou vai no restaurante com amigo e com mulher e paga com o vale e outros, muito poucos e mal exemplificando aqui, trocam por cachaça. Eu achava e continuo achando que é legítimo usar aquilo que sobrou da minha cota, que foi conseguido voando de noite e de comprar tarifa mais barata. Todos aqui são meus filhos e netos e os filhos da minha ex-esposa e atual esposa. Tem um jornalista amigo, um doente, muito doente. Todos de Rondônia.
E as passagens para Miami?
Isso foi uma coisa que me incomodou muito. Desde que eu assumi aqui, já fui para Miami umas quatro vezes. Sempre paguei do meu bolso. Não sei por que, dessa vez eu mandei emitir. Mas depois devolvi o dinheiro. Não foi nem para compensar, não. Eu tirei o dinheiro do bolso e paguei. Por que eu fiz isso? Por que me incomodei. Não me senti bem. Todas as outras eu defendo firmemente. Eu não acho que estava errado. Não havia nada que impedia, e estava sobrando da cota. Para você ver como sou controlado, sobraram aí uns R$ 20 mil, que eu estou usando pessoalmente. É um absurdo eu não poder levar a minha mulher para o estado. As pessoas que agem corretamente pagam pelas que agiram errado. Tem caboclo aqui que vende passagem. Eu sei disso. No final do ano faz um pacote, junta tudo e ganha uns R$ 100 mil, R$ 110 mil. Eu sou obrigado a pagar por isso?
Por que o senhor não denuncia essa prática?
Não, não. Nem sei quem é. Nomes eu não sei. Eu escuto isso. O assunto aqui na Câmara já foi exaurido, nem sei por que esse questionamento agora.
Por que essas de Miami incomodaram o senhor e as outras nacionais, não?Por que são para o exterior. Se você perguntar por que essas pessoas estavam aqui eu respondo que estiveram para ficar comigo. Agora as de Miami eu fui passear. Não tenho explicação para dar. Como não tenho explicações, o que eu posso fazer é devolver o dinheiro. E já devolvi.
Fonte: Congressoemfoco
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