Dora Kramer
O Congresso nem reabriu os trabalhos e já está cheio de ideias. Algumas até mereceriam comparação com fabulações produzidas em cérebros rudimentares, não fosse o risco de se entrar no perigoso terreno da injustiça. Para com os irracionais de nascença.
Não bastasse a ausência do item recuperação moral do Legislativo na agenda do debate sobre a eleição nas novas presidências da Câmara e do Senado, diante do quadro de autodesmoralização galopante aos parlamentares só ocorre abrir combate contra o Poder Judiciário.
Grosso modo, as propostas visam a retirar prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e fixar mandato para o posto de ministro, hoje assegurado até a aposentadoria aos 70 anos de idade.
No detalhe, fala-se em garantir agilidade a julgamento de processos eleitorais, em modificar as regras de acesso ao cargo de juiz, em criar punições a procuradores que divulgarem denúncias infundadas, uma série de providências que à primeira vista parecem muito bem-intencionadas.
À segunda, entretanto, revelam-se o que realmente são: uma tentativa de vingança contra o chamado ativismo dos magistrados. O Congresso faz parecido quando se sente muito criticado e ameaça endurecer a lei de imprensa. Para intimidar, nada mais.
Sob a alegação de impedir a usurpação de poderes, o Legislativo se propõe a interferir diretamente no processo judicial, inclusive determinando o tempo de julgamento de uma ação; oito meses da primeira à última instância, no caso de crimes eleitorais.
Uma barbaridade que equivaleria ao Judiciário determinar ao Legislativo quanto tempo uma proposta deve tramitar - da apresentação à votação no plenário - na Câmara e do Senado.
Não que o Poder Legislativo não possa - aliás, deve - corrigir distorções, interferir quando necessário sem que isso signifique extrapolação. Assim faz o Judiciário.
Mas o propósito aqui não é aprimorar processo nenhum, é retomar a situação anterior à qual o deputado Flávio Dino define como a de "um tribunal historicamente mais técnico que político".
De maneira oblíqua, o deputado fala de episódios de omissão travestidos de respeito à independência dos Poderes - uma condição realmente bastante mais confortável que a fustigação permanente por parte do Judiciário, provocada não apenas pelo perfil dos magistrados, mas, sobretudo, pelo fato de o Legislativo abrir mão de suas prerrogativas de uma maneira tão leviana quanto preocupante.
O elenco de exemplos é farto e amplamente citado. Mas um pouco lembrado é o dos processos contra parlamentares. Critica-se o Judiciário pela ausência de punições a autoridades com foro privilegiado, mas hoje ao menos são abertos inquéritos e vários se transformam em processos.
Quando (até 2001) a Justiça dependia de autorização do Legislativo, na quase totalidade dos casos nem se iniciavam ações. O Congresso simplesmente não autorizava e ponto final.
Esse tipo de situação pode ser melhor para os parlamentares individualmente, mas é ruim para a instituição e bem pior para a República.
Fala-se do perigo de concentração de poder. Um sofisma, pois se todos os Poderes atuarem à altura do que lhes confere (e obriga) a Constituição não há ultrapassagem de limites. Há, sim, o cumprimento correto, e natural, do conceito de equivalência entre eles.
A ofensiva do Legislativo contra o Judiciário é uma típica tentativa de criar um caso onde não existem desavenças nem deformação institucional alguma. Trata-se apenas da defesa unilateral do retrocesso em causa própria.
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)
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quarta-feira, janeiro 07, 2009
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