Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

terça-feira, março 28, 2023

A questão democrática



O PT e o presidente Lula deveriam escolher entre o que entendem por autodeterminação dos povos e o princípio dos direitos humanos

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

Uma atitude ou concepção democrática não se caracteriza apenas pela negação de um caso particular de autoritarismo, como ocorreu com a frente democrática apoiada pelo então candidato Lula e o PT. O fato de o hoje presidente e de seu partido criticarem – com razão, aliás – as posições de Bolsonaro, que claramente afrontou o regime democrático com a contestação das urnas eletrônicas, o enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as tentativas golpistas não os torna democratas por si sós. Razões eleitorais são insuficientes, se não vierem acompanhadas de esclarecimentos necessários sobre o que bem entendem por democracia.

O presidente Lula e parte de seu partido, pois há outras que começam a se demarcar, sempre tiveram uma afinidade eletiva com ditaduras de esquerda, compactuando com seu desrespeito aos direitos humanos, às regras democráticas e o uso sistemático da violência. Condenações, se as há, são sempre fracas, se não coniventes, como se observa recentemente com o ditador Ortega, da Nicarágua, cujo poder é exercido sem nenhuma limitação. Nem a Igreja Católica é mais respeitada, e é objeto de perseguição. A Venezuela de Maduro e, antes, de Chávez, levada por eles à miséria, à emigração e à riqueza de poucos, foi e é sempre tratada com tolerância e compreensão. Isso para não falar da já longeva ditadura cubana. O que isso significa? O direito de a esquerda no poder oprimir seu próprio povo em nome do socialismo ou do comunismo?

O argumento apresentado é o de que esses países têm direito à autodeterminação, não devendo haver, aqui, nenhuma ingerência externa. Ou seja, o que esses governantes fazem com o seu próprio povo seria assunto exclusivo deles. Ora, se esse argumento é válido, deveria servir também para as ditaduras de direita, pois também elas teriam direito a usarem da violência contra os seus. Nesta linha de raciocínio, o fascismo e o nazismo não deveriam ser tampouco condenados, visto que essas nações assim se autodeterminaram, inclusive ganhando eleições. O fato de Hitler ter eliminado milhões de judeus, poloneses, ciganos, homossexuais, comunistas, social-democratas, entre outros, deveria ser, então, compreendido sob a ótica da autodeterminação dos povos?

Logo, o PT e o seu presidente deveriam escolher entre o que entendem por autodeterminação dos povos e o princípio dos direitos humanos, pois este está alicerçado numa concepção universal, cuja validade se situa acima das fronteiras territoriais e estatais. O partido defender o direito das minorias, por exemplo, resulta de uma posição universal, contra discriminações e perseguições, venham de onde vierem, no Brasil e alhures. Das duas, uma: ou a democracia é um princípio universal e os direitos humanos valem para todos, sem nenhuma distinção de esquerda ou de direita, ou os particulares Estados nacionais estão autorizados a fazerem qualquer coisa com seus respectivos povos.

A atitude petista em relação à invasão da Ucrânia é outra faceta da mesma moeda. Lula tem reiteradas vezes sustentado uma suposta igualdade entre as partes, como se o invasor e o invadido, o atacante e o atacado devessem ser dignos da mesma consideração. Isso seria equivalente a considerar em igualdade de condições o estuprador e a sua vítima, devendo o promotor e o juiz estabelecerem um diálogo entre eles, numa mútua compreensão. Não deveria haver condenação e julgamento?

Daí se seguiria, então, a não condenação da Rússia por seus atos. Além de o Brasil não ter força diplomática e militar para pretender se postular como um mediador, há, aqui, uma condescendência com atitudes autoritárias, que se traduzem pelo fato de um país – no caso, a Rússia – simplesmente desconsiderar a Ucrânia como se não fosse nem devesse ser um Estado independente. Seria “russo”, governado, em sua peculiar linguagem, por “nazistas”. Imaginem se geopoliticamente a moda pega. Seria a completa desestruturação de todo o equilíbrio geopolítico construído a duras penas após a 2.ª Guerra Mundial e, agora, a perigo.

Durante os diferentes governos petistas, essas ambivalências e contradições sempre estiveram presentes, e foram escamoteadas das mais diferentes maneiras. O dito orçamento participativo, autointitulado de democracia direta para corrigir os “defeitos” da democracia representativa, foi outra farsa para enraizar o PT nos setores mais carentes da população, tornando-os uma mera clientela política. As ditas “assembleias” eram totalmente controladas pelo partido, com presença massiva dos seus membros, no melhor procedimento stalinista e castrista. Foi uma “experiência” vendida para incautos.

Ocorre que, hoje, a situação se tornou ainda mais aguda, considerando que o atual governo é posterior à experiência bolsonarista da extrema direita no poder. Qualquer ambiguidade ou tergiversação sobre o significado da democracia, em sua validade universal, pode ter consequências nefastas.

*Professor de filosofia na Ufrgs 

O Estado de São Paulo

Em destaque

Para rebater críticas, Pimenta diz que não é inimigo do governador Eduardo Leite

Publicado em 15 de maio de 2024 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Lula se livrou de Pimenta, que não ficará mais no Pl...

Mais visitadas