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quinta-feira, abril 22, 2021

Cúpula do Clima: Bolsonaro distorce dados e faz promessas não condizentes com a atual política nacional de meio ambiente


Charge do Miguel Paiva (diariodocentrodomundo.com.br)

Laís Modelli e Mariana Garcia
G1

O presidente Jair Bolsonaro discursou nesta quinta-feira, dia 22,, na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Ele prometeu adotar medidas que reduzam as emissões de gases do efeito estufa e pediu “justa remuneração” por serviços ambientais prestados pelo Brasil.

Especialistas ouvidos pelo G1 ressaltaram que presidente discursou sobre metas climáticas já estabelecidas anteriormente pelo Brasil e fez promessas importantes, porém que não condizem com a atual política nacional de meio ambiente. Eles também corrigiram números errados dados por Bolsonaro sobre preservação da Amazônia.

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‘Bolsonaro estimula agentes da devastação’, diz carta de ex-ministros enviada à Cúpula do Clima

O coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão, destaca a promessa de Bolsonaro de dobrar os recursos para ações de fiscalização ambiental, mas lembra que R$2,9 bilhões – valor que deveria ser usado para este fim – seguem paralisados no Fundo Amazônia desde janeiro de 2019.

“Importante Bolsonaro ter indicado mais recurso para ações de fiscalização. Mas hoje o Fundo Amazônia ainda tem dezenas de milhões de recursos que estão prontos para uso, inclusive para a Força Nacional”, disse Rajão.

FISCALIZAÇÃO – Para o professor da UFMG, o mais urgente é a contratação de fiscais e a substituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pelo que ele chama de “um ministro efetivamente comprometido com a agenda ambiental”.

De 2016 a 2018, o Ibama recebeu recursos do Fundo Amazônia para bancar o aluguel de veículos especiais em operações na Amazônia e implementar pelo menos 466 missões de fiscalização . Em 2019, o ministro Salles tentou mudar as regras do fundo para destinar os recursos captados para indenizar proprietários de terras.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, também comenta a promessa de duplicar o orçamento para fiscalização ambiental, mas lembra que o governo federal cortou verbas do Ministério do Meio Ambiente para 2021.

“MENTIRA” –  “É uma mentira. Na verdade, ele mesmo [Bolsonaro] colocou a fiscalização ambiental no orçamento para 2021 como o menor dos últimos 20 anos, então ele simplesmente não tem a menor noção da realidade”, Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.

O ambientalista se refere ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste ano, em que o governo destinou R$ 1,72 bilhão ao Ministério do Meio Ambiente, o menor desde 2000. O corte causou redução de 27,4% do orçamento de 2021 destinado para fiscalização ambiental e combate de incêndios florestais.

Astrini também destaca que, mais uma vez, o presidente brasileiros pediu dinheiro à comunidade internacional para executar as promessas de proteção à Amazônia. “Ele passou a metade do vídeo pedindo dinheiro (…) É também importante dizer que esse pedido de dinheiro tão insistentemente feito para outros países não faz nenhum sentido. O Brasil tem neste momento R$ 3 bilhões parados no Fundo Amazônia. Esse dinheiro não é usado pelo governo desde 2019. O problema do Brasil não é falta de recursos, é falta de governo e de compromisso”.

DADOS ULTRAPASSADOS – A especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, destaca que o presidente apresentou dados ultrapassados do Brasil. “As promessas colidem com a prática. Mostram-se dados passados, anteriores ao governo Bolsonaro, como um cenário de um país que se preocupa com a questão ambiental. O governo atual desconstruiu o que se fazia nesse sentido e demanda dinheiro para corrigir o que eles mesmo pioraram. Mais importante do que financiamento internacional, é a reversão do quadro de desmonte completo da política ambiental”, Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

O climatologista Carlos Nobre afirma que o discurso foi vago e não apresentou ações concretas. “Foi um discurso defensivo e não pró-ativo. Se esperava que apresentasse propostas concretas de como zerar os desmatamentos, degradação e queimadas na Amazônia, fator principal que tornou o país como um grande vilão ambiental nacional e globalmente”, climatologista Carlos Nobre.

A Cúpula de Líderes sobre o Clima foi organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e contou com a participação de cerca de 40 líderes de estado de várias partes do mundo.

MAQUIAGEM –  Sobre os dados apresentados por Bolsonaro, Araújo destaca que o discurso trouxe apenas dados em porcentagens, e não em números absolutos, o que ajudou a maquiar a situação do país quanto à emissão de gases de efeito estufa (GEE).

“Ele diz que o Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas desses gases, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. Mas a realidade hoje é que o Brasil é o sexto maior emissor de GEE no mundo atualmente”, explica Araújo.

O climatologista Carlos Nobre esclarece que até mesmo as porcentagens apresentadas por Bolsonaro nesta manhã não estavam corretas. “O Brasil emite entre 4 e 5% das emissões globais de todos os gases de efeito estufa”, diz Nobre, rebatendo a fala do presidente de que o país emite menos de 3% das emissões globais anuais.

BIOMA AMAZÔNICO – Bolsonaro também afirmou que o Brasil tem “orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico”, mas Nobre ressalta que o número, mais uma vez, não está correto.

“Já desmatamos por corte raso cerca de 20% da floresta Amazônica e há uma área estimada entre 10% e 20% adicionais em diferentes graus de degradação. Em 2020, as emissões diminuíram na maioria dos países devido à pandemia. No Brasil, aumentaram devido o aumento dos desmatamentos da floresta Amazônica” – climatologista Calor Nobre.

DISCURSO DIVERGENTE – Astrini destacou divergências entre as promessas feitas por Bolsonaro nesta quinta e as promessas feitas anteriormente à Organização das Nações Unidas (ONU), como a de o Brasil zerar até 2030 o desmatamento ilegal.

“Essa proposta já tinha sido apresentada na ONU, na submissão do Brasil de promessas de clima em 2015. E o governo Bolsonaro, quando fez a releitura da submissão em 2030, retirou esse compromisso. E agora ele está falando novamente de desmatamento ilegal zero até 2030. Então a gente tem que saber para quem ele está falando a verdade: pra ONU ou nesse vídeo?”, Márcio Astrini, secretário-executivo do OC.

Astrini destaca outra divergência entre os discursos, desta vez sobre a promessa de o país zerar as emissões de carbono. “Hoje Bolsonaro fala em neutralidade de carbono para o Brasil em 2050. Na proposta oficial encaminhada para ONU em dezembro, está lá que a meta é 2060”.

“VÍTIMA” – Bolsonaro discursou na Assembleia da ONU em setembro do ano passado. Na ocasião, ele afirmou que o Brasil é “vítima” de uma campanha “brutal” de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

“De maneira geral, o governo sai da Cúpula do Clima do mesmo jeito que entrou: desacreditado. Um governo que está há 28 meses prestando serviços para o crime ambiental, destruindo o meio ambiente no Brasil. Não vai ser um vídeo de cinco minutos que vai reverter essa situação”, conclui Astrini.

A coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace, Fabiana Alves, afirma que, apesar das promessas mais ambiciosas e da mudança de discurso, o presidente não falou como vai alcançar as metas. “O governo Bolsonaro não possui política pública para a contenção do desmatamento. Em sua fala, ele ressalta o mercado de carbono como solução, dando às empresas de combustíveis fósseis um caminho para ‘compensar’ sua poluição com florestas, em vez de, de fato, reduzi-la”, diz Alves.

PROMESSAS – Bolsonaro participou da cúpula acompanhado de alguns ministros, entre os quais o do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de críticas de ambientalistas e de diversos setores da sociedade.

Entre outros pontos, Bolsonaro disse no discurso que o Brasil se compromete a: zerar até 2030 o desmatamento ilegal; reduzir as emissões de gases; buscar ‘neutralidade climática’ até 2050, antecipando em dez anos; ‘fortalecer’ os órgãos ambientais, ‘duplicando’ recursos para fiscalização.

“À luz de nossas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, continuamos a colaborar com os esforços mundiais contra a mudança do clima. Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar e a refirmar a NDC transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões, inclusive para 2025, de 37%, e de 40% até 2030”, afirmou o presidente na cúpula.

NEUTRALIDADE – “Coincidimos, senhor presidente, com seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior”, completou.

Em outro trecho, Bolsonaro declarou: “É preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação.”

FORA DO ENCONTRO  – Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão não participou. Questionado sobre o assunto em uma entrevista, Mourão respondeu: “Se o presidente julgasse necessária a minha contribuição ele teria pedido, acho que ele não julgou necessário.”

Na quarta-feira, dia 21, véspera da cúpula, um grupo formado por dezenas de empresários se reuniu por videoconferência com Ricardo Salles para discutir a pauta ambiental do governo.

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