Dodge afirmou que as operações que coibiram supostas propagandas eleitorais irregulares em 17 instituições podem ter ferido a liberdade de expressão
Por Da redação, com Reuters
São Paulo — A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse nesta sexta-feira (26), que ajuizará no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para assegurar a liberdade de expressão nas universidades públicas.
A PGR se pronunciou após operações, desta quinta-feira (25), que coibiram supostas propagandas eleitorais irregulares em 17 instituições de ensino.
“Por verificar que no curso de várias medidas que há indícios claros de que houve ofensa à liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de cátedra e sobretudo para debate e a discussão, estou requerendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de assegurar a plena vigência da Constituição no país”, disse a procuradora.
“Estou ajuizando ainda hoje uma arguição por descumprimento de preceito fundamental com pedido de liminar para restabelecer a liberdade de expressão, de reunião, de cátedra no ambiente das universidade públicas.”
Ainda nesta tarde, alguns ministros do STF também se pronunciaram sobre o ocorrido. Dias Toffoli, presidente da corte, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso reprovaram as operações nas universidades.
“O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, sempre defendeu a autonomia e a independência das universidades brasileiras, bem como o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífica”, diz trecho da nota do presidente.
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, anunciou há pouco que a Justiça Eleitoral também vai investigar a conduta dos juízes que autorizaram ações policiais e de fiscais em universidades públicas.
Caso
As repercussões, são em resposta à determinação judicial para que fosse retirada uma bandeira em que se lia “Direito UFF Antifascista” na fachada da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), pessoas se aglomeraram nesta sexta-feira em frente ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
A bandeira chegou a ser recolocada por estudantes, mas teve de ser novamente retirada por determinação da Justiça Eleitoral, por entender que há caráter “político-partidário” nos dizeres da faixa. Nesta sexta, a mesma bandeira foi levada por manifestantes que se juntavam em frente ao TRE-RJ.
“A primeira retirada da bandeira foi completamente arbitrária, entraram na nossa faculdade, interromperam aulas”, comentou Vitória Bastos, 22 anos, aluna de Direito da UFF.
“Me sinto censurada. Ser antifascista é ser pró-democracia, condiz com as expectativas constitucionais. É o que se espera não só dos candidatos à Presidência como de qualquer cidadão”, alertando para o fato de a bandeira não trazer o nome de Bolsonaro.
Presente no protesto em frente ao tribunal, a estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Aline Santana, 20 anos, disse sentir “inúmeros medos”, incluindo o de retorno da ditadura no país.
Para ela, a ação na UFF “foi uma censura”. “O TRE assumiu que tem um candidato fascista concorrendo para a Presidência, e isso e muito sério”, disse.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, a diretoria da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (AdUFRJ) sustentou que as ações da Justiça “atacaram e sitiaram liberdade de expressão nas universidades”.
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A entidade afirma que foram desrespeitados direitos garantidos na Constituição e argumentou que as manifestações defendiam “valores universais, para promover debates e reflexões”.
“A universidade está sendo vigiada e atacada!Mas está coesa na defesa de sua pluralidade, do contraditório, da liberdade, da justiça e do conhecimento. Os relatos em âmbito local e nacional demonstram tratar-se de uma ação coordenada e sem pudores. Mas não recuaremos um passo sequer!”, diz a nota.
Também há relatos de ações nos últimos dias na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Associação de Docentes da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba,e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a Justiça Eleitoral proibiu a realização do evento “Contra o Fascismo. Pela Democracia”.
O evento contaria com a presença do ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Tarso Genro.
Pelo Twitter, Genro afirmou que deu aulas e preferiu conferências em diversas universidades fora do país, sempre respeitando os “protocolos legais” das instituições de ensino.
“Hoje, (fui) censurado para falar na UFRGS, no RS que governei. Fascismo cresce”, disse em tuíte postado na quinta-feira.
Em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) ponderou que a Lei nº 9504/97″acertadamente” veda que espaços do poder públicos sejam utilizados para proselitismo ou propaganda político partidária. Argumenta, no entanto, que tal vedação não pode ser confundida com a proibição do debate de ideias, típico do ambiente estudantil e garantido pela Constituição.
“Nesse contexto, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) entende que são potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país”, afirma a entidade.
Também em nota, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro explicou que a Constituição garante autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial às universidades. Admite, ainda, que manifestações políticas e ideológicas especialmente de estudantes em instituições de ensino são “inerentes” do processo democrático.
Argumenta, no entanto, que a Lei 9.504/97 veda a propaganda eleitoral ou partidária em “bens de uso comum”.
“A atuação das equipes de fiscalização tem como propósito tão somente coibir condutas que estejam em dissonância com a legislação eleitoral”, segue a nota divulgada nesta sexta.
“As recentes ações de fiscais eleitorais em instituições de ensino no Estado do Rio de Janeiro foram desdobramentos de decisões judiciais fundamentadas, a partir de denúncias oriundas de eleitores e da Procuradoria Regional Eleitoral”, defende.
A nota nega, ainda, que tenha sido determinada a prisão do diretor da Faculdade de Direito da UFF ou a retirada de faixas com os dizeres “Marielle Vive”.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reforçou, em nota, posição em defesa do direito de livre manifestação.
“As universidades devem ser respeitadas como espaço autônomo de promoção de debates e discussões, assegurado o direito de todos os integrantes da comunidade acadêmica -sejam de direita ou de esquerda- de exporem seus posicionamentos, sempre dentro dos limites da lei. A OAB condena toda forma de censura e de violência política”, diz a nota, assinada pelo presidente da entidade, Claudio Lamachia.
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