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domingo, julho 19, 2009

Clínicas odontológicas na capital se recusam a atender pacientes com HIV

Alexandre Lyrio Redação CORREIO
Ligações telefônicas gravadas confirmam o preconceito. O atendimento a portadores do vírus HIV em clínicas odontológicas de Salvador é mais complicado do que se imagina.
'Por favor, vocês atendem pacientes com Aids?' A pergunta parece simples, mas a resposta muitas vezes é seguida de rejeição. 'Não, senhor... ' Sem que se identificasse, o CORREIO gravou conversas com 60 clínicas odontológicas particulares nos diversos bairros da capital baiana. Em 17, recebeu negativa para atendimento de soropositivos.
A amostra corresponde a mais de 28% do total. A maioria das unidades se diz despreparada e insegura para realizar a tarefa. A situação não é diferente em postos de saúde. Uma pesquisa realizada no final de 2008 mostra que mais de 80% dos dentistas do serviço municipal se declaram despreparados para atender pacientes com Aids, como se os casos merecessem atenção diferenciada.
Não merecem, atesta o serviço de odontologia do Centro Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), órgão da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) referência em doenças infecto-contagiosas. O serviço se encontra “inchado” por conta das negativas de clínicas particulares e unidades públicas de saúde bucal.
Tanto que a rejeição dos profissionais aos portadores de HIV não chega a ser uma surpresa para o Cedap. É para lá que as clínicas e postos de saúde aconselham que esses pacientes se encaminhem.
O problema revela o medo e a desinformação, injustificáveis entre profissionais de saúde. Tecnicamente, o estigma que o HIV provoca entre os odontologistas não tem argumento plausível. “Aids não tem cara. Os cuidados devem ser para todos. Temos que partir do princípio que todo paciente é potencialmente infectante”, argumenta o coordenador do serviço de odontologia do Cedap, o dentista Samir Dahia.
“Quando rejeitados, os pacientes HIV acabam batendo à nossa porta. Além de lotar a assistência, a própria negativa cria um trauma no paciente”. Em 2009 está completando 25 anos que o primeiro caso de HIV foi identificado na Bahia.
A essa altura, diz o dentista, não haveria motivo para que o medo da contaminação supere a obrigação de se realizar o atendimento num consultório odontológico. Até porque, se respeitadas as normas de segurança, os riscos de infecção são mínimos.
Consultado pelo CORREIO, o Conselho Regional de Odontologia da Bahia (Croba) confirmou a obrigação das clínicas em atender qualquer paciente. No mínimo, revela o conselho, elas ferem o código de ética da profissão. “Se eles não podem atender pessoas com HIV, não podem atender ninguém”, atesta a conselheira Marilene Sant´Ana.
InfraçãoO conselho de ética do Croba deve avaliar caso a caso as clínicas denunciadas. Pelo código, que regula direitos e deveres dos profissionais, configura-se infração ética (Art. 7º) “discrminar ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”. Por isso, a conselheira avisa. “Todo e qualquer espaço precisa ter condições adequadas de trabalho e respeito às normas”.
Ao mesmo tempo que os dentistas não podem se recusar a marcar a consulta, o portador do vírus da Aids também não precisa revelar sua condição ao chegar a um consultório. “O dentista é que deve manter o alto padrão de atendimento, respeitando as regras de biosegurança que eliminam o risco da contaminação e melhoram a qualidade de atendimento para todos os pacientes, independentemente da questão sorológica”, acrescentou.
As organizações que lutam contra a Aids lamentaram a postura das clínicas. O fato de se tratar de profissionais da área de saúde redobrou a indignação do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa-Bahia).
“É esse o quadro depois de 25 anos de epidemia.Não se justifica que pessoas que conhecem os riscos ajam dessa forma. O vírus do preconceito se dissemina mais rápido que o da Aids”, avalia o coordenador geral do Gapa, Harley Henriques, baseando-se em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) para seus argumentos.
Segundo a OMS, nove entre dez pessoas infectadas pelo HIV não sabem que são portadores do vírus. “Isso quer dizer que, enquanto eles não atendem um paciente que diz ter o vírus da Aids, podem estar aceitando outros nove com a doença. É inacreditável”, explica o coordenador do Gapa.
Soropositivo não consegue tratamento Portador do vírus HIV, “Francisco” (nome fictício), 44 anos, precisava realizar uma restauração dentária. O CORREIO acompanhou uma de suas tentativas de marcar a consulta e descobriu que, em parte das clínicas, impera o preconceito.
Auxiliar administrativo, procurou a Cliso Clínica de Saúde Oral da Bahia, localizada em Brotas. Sem plano de saúde, o pagamento seria particular. Antes de expor sua condição de soropositivo (ele não é dos que omitem a sorologia), foi-lhe oferecido horário para as 9h do dia seguinte. Mas, quando abriu o jogo, tudo tomou outro rumo.
“A nossa administração não permite marcar a consulta, senhor”. O paciente ainda tentou retrucar. “Por que motivo?”. “Não sabemos”. Francisco não insistiu mais. Mesmo acostumado a situações como essa, ficou visivelmente abatido.
Contactada pelo CORREIO, a dentista responsável pela clínica, Dra. Maria Lucia Luz, usou o argumento da falta de estrutura. “Não temos condições. A nossa clínica é simples”.
Questionada sobre possíveis pacientes que não anunciem a sorologia ou que simplesmente não saibam que têm Aids, a resposta beira o absurdo. “Aqui trabalhamos confiando em Deus. Rezo muito para que nossos pacientes avisem”.
Mesmo por telefone, foi possível perceber que era com constrangimento que algumas atendentes, e até dentistas, viam a possibilidade de receber um paciente HIV. Mas, pior do que o mal-estar, só quando ele era seguido da resposta lacônica: “Não, infelizmente, não atendemos”.
As negativas vinham junto com justificativas vazias, como se as clínicas quisessem se livrar de um “problema”. Fica a pergunta: será que elas estão preparadas para evitar a transmissão de doenças?
'Para atendê-lo, precisaríamos separar a manhã inteira pra você. Os materiais também teriam que ser separados. Não valeria a pena. A desculpa é de uma atendente da Clidep Clínica Dentária, na Avenida ACM, após consultar o dentista responsável. É complicado, né? Atendemos pessoas aqui com outras doenças e pode ser perigoso pra você'.
Depois de também consultar o dentista responsável, a Clidente Clínica Dentária, localizada na Avenida Antônio Carlos Magalhães, foi taxativa. 'Não temos uma estrutura adequada'. Mas para se livrar do “fardo”, o mais comum é mesmo a indicação de locais considerados mais “apropriados”, como fez a Clínica Fábio L. Almeida. 'No Creaids (hoje é o Cedep), eles têm material específico. É mais seguro'.
O mesmo fez a Denteclin, na Avenida Manoel Dias da Silva. 'Procure o Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids). Eles vão te encaminhar'. A Comedi Clínica Odontológica, em Nazaré, também indicou. 'Na Ufba tem atendimento só pra isso'.
Apesar do nome sugestivo, a Clínica Vida Humana, na Antonio Carlos Magalhães, discriminou. 'De jeito nenhum'. A Clínica Maxi Dente, na Centenário, chegou ao cúmulo. Admitiu não ter o principal aparelho de desinfecção. 'Não usamos a autoclave. Não temos estrutura'.
Parte das clínicas não apresentou qualquer justificativa. Caso da Cliopi Clínica Odontológica Preventiva Itaigara, que tem como responsável a Dra.Luana Moreira. Sem dizer o porque, simplesmente informou que não atende.
Outra constatação. É total a desinformação de quem faz o primeiro atendimento. Pelo menos 15 atendentes disseram não saber informar se poderiam marcar consulta para pacientes com Aids.
Um total de 12 clínicas garantiu o atendimento, mas com alguma restrição. A Clínica Sorriso, localizada no Largo do Tanque, condicionou. 'Precisamos ver o estado do paciente'. A Clínica Patrícia Alves, na Avenida Sete de Setembro, avisou. 'É preciso fazer uma série de exames antes'.
Bom que se reconheça. A maioria das clínicas não colocou qualquer empecilho para atender paciente HIV. Algumas até se sentiram ofendidas com a pergunta, como a atendente da Clínica de Prevenção Odontológica, na Avenida Sete de Setembro. 'Não temos discriminação. Minha irmã tem HIV e se trata aqui sem qualquer problema'. Resposta semelhante deu a Clínica Odontológica Gastro Dente, localizada na Avenida Garibaldi. 'A Aids não está na cara de ninguém. É claro que avisar antes é melhor, mas temos condições de atender qualquer um'.
A dentista responsável pela Clínica Odontológica Caroline Rose, em Brotas, criticou os colegas que recusam pacientes HIV. 'Fique sabendo: eles são obrigados a atender'. Já a dentista Cássia Almeida explicou. 'Não tem problema. Não importa o paciente, a esterilização é a mesma'.
82% dos dentistas inseguros “A sua unidade está preparada, equipada, pra atender ao paciente com HIV/Aids?”. A pergunta foi feita entre julho e dezembro de 2008 a 118 dos 269 dentistas da rede pública municipal. A resposta foi surpreendente. Um total de 82,4% dos profissionais que trabalham em postos de saúde respondeu que não estão preparados.
Os dados estão numa pesquisa do dentista Samir Dahia (números no topo das páginas), que deverá ser publicada até o fim do ano. Dahia resolveu realizar a pesquisa quando percebeu que a procura ao Centro Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), onde coordena o serviço de odontologia, extrapolou o esperado.
“O atendimento ‘inchou’ demais. Ao indagar os pacientes, tive uma surpresa. Até as unidades públicas rejeitavam atendimento”. O dentista observa que o Cedap é um centro de referência voltado para casos de complexidade média e alta. “Mandam pra cá simples obturações”.
Na pesquisa, os problemas de biosegurança foram apontados por 94,8% dos profissionais entrevistados como uma das causas para o despreparo. Já a falta do protocolo de acidentes perfuro cortantes foi citado por 56,5% dos dentistas.
A própria subcoordenadora de saúde bucal da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Cecília Bião, admite que alguns profissionais têm resistência em atender o paciente HIV, segundo ela, sem motivo. A subcoordenadora garante que todos os postos de saúde são equipados com aparelhos de esterilização e equipamentos de segurança individual. “Se eles acham que estão se protegendo ao negar atendimento, se enganam”.
Atendimento negadoClínica Maxi Dente - Av. Centenário Clínica Odontomédica - Av. Garibaldi Clínica Odontológica de Roma - Roma Clínica Odonto Laser - Av. ACM Cliopi Clínica Preventiva Itaigara - Av. ACM
Clios Clínica Odontológica São Caetano
Cliso Clínica de Saúde Oral da Bahia - Brotas
Comedi Clínica Odontológica - Nazaré
Clínica Vida Humana - Av. ACM
Denteclin - Av. Manoel Dias da Silva
Clínica Fábio Almeida - Itapuã
Clínica Dr. Eduardo S. Filho - Sete Portas
Clidente Clínica Especializada - Nazaré
Clidep Clínica Dentária - Av. ACM
Clínica Odontológica Maria Goreth - Liberdade
Clínica Odontológica da Politécnica - Av. 7 de Setembro
Clínica Dentária do Cabula - Cabula
60 clínicas odontológicas particulares de Salvador foram contactadas por telefone pelo CORREIO. As ligações foram feitas durante uma semana, entre os dias 8 e 15 de julho.
17 estabelecimentos se negaram a atender pacientes com Aids. Ao lado, a lista das clínicasque, pelosmais diversos motivos, fecharam as portas para os soropositivos.
(notícia publicada na edição impressa do dia 19/07/2009 do CORREIO)
Fonte: Correio da Bahia

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