TCU já rejeitou contas de 400 prefeitos só este ano
por Maria Fernanda Erdelyi
Falta de prestação de contas, aplicação irregular de recursos federais transferidos aos municípios e contas que não fecham: esses foram os principais motivos das quase 400 condenações do Tribunal de Contas da União aplicadas a prefeitos e ex-prefeitos de todo país, de janeiro a julho deste ano.
De acordo o site do TCU, os campeões de irregularidades são municípios dos estados do Maranhão, com cerca de 60 condenações, a Bahia com quase 50 e o Pará, com aproximadamente 40 prefeitos punidos. Os estados com menos prefeitos condenados são o Rio Grande do Sul e Roraima, com apenas um chefe do Executivo municipal punido, e o Rio de Janeiro, com duas administrações condenadas.
Reportagem da revista Veja que foi às bancas no sábado reforça os números da má administração municipal. De acordo com a semanal, o empresário Luiz Antonio Vedoin, investigado no caso da Máfia das Sanguessugas, disse ter subornado 60 prefeitos de cidades do interior, para que licitações para a compra de equipamentos médicos fossem ganhas por sua empresa, a Planam. A revista aponta que foram pagos quase R$ 740 mil em propina.
As multas aplicadas pelo TCU nos casos das contas reprovadas variam de R$ 20 mil a R$ 300 mil pela não prestação de contas e por não ser comprovada a aplicação de valor repassado, quase sempre, pelo FNDE — Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; pelo Ministério do Interior para a execução de obras de infra-estrutura urbana; pelo FNS — Fundo Nacional de Saúde, entre outros órgãos do governo federal.
Geralmente, nesses casos, o Tribunal também condena os ex-prefeitos a pagar multa, que gira em torno de R$ 5 mil, e dá 15 dias para que comprovem o recolhimento do valor não aplicado aos cofres do Tesouro Nacional e aos Fundos.
Programa de prevenção
Segundo informa a assessoria do Tribunal, há muitas condenações por falta de informação dos prefeitos. Muitos alegam que não sabem das obrigações que precisam ser observadas nos convênios com órgãos do governo federal e da necessidade de prestação de contas.
Para auxiliar os que erram com boa-fé, o TCU, por meio do projeto Diálogo Público, fez diversos encontros com prefeitos com o enfoque na questão da “Qualidade dos Gastos Públicos: contribuições dos órgãos de controle à gestão municipal”.
Os encontros, de um dia, abordavam temas como: Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 10.028/00; Transferências governamentais: convênios e outras transferências de recursos para municípios e o papel do TCU na distribuição dos recursos; Licitações e Obras Públicas: falhas mais freqüentes detectadas pelo TCU e como preveni-las. Os encontros chegaram a reunir cerca de 300 representantes de mais de 50 municípios de cada estado.
O projeto Diálogo Público foi criado pelo TCU em 2003 para estimular o controle social das contas. Nos anos de 2004 e 2005 foram 57 encontros que contaram com cerca de 20 mil participantes.
Em 2006, os eventos do Diálogo Público são direcionados para o Terceiro Setor: as Oscips — Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ONGs — Organizações Não-Governamentais e demais organizações da sociedade civil que recebem transferências voluntárias do governo federal.
Casos
Em janeiro deste ano, o TCU condenou o ex-prefeito de Capim Grosso (BA), Paulo César Silva Ferreira, a devolver o valor atualizado de R$ 70.493,93, por executar apenas parte do objeto do convênio firmado com a Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura. O convênio foi estabelecido para implantar a rede de distribuição de energia elétrica local.
O projeto inicial previa a execução de 13 quilômetros de linhas de alta e baixa tensão e a colocação de 21 transformadores. Porém, não foram instalados 2,4 quilômetros de linhas e oito transformadores.
No mesmo mês, o TCU condenou o ex-prefeito de Amaturá (AM), Airton Zau, ao pagamento de R$ 45.441,00, valor já atualizado, por não prestar contas do convênio firmado entre o Fundo Nacional de Assistência Social e a prefeitura. Os recursos eram destinados a prestar assistência integral à criança e ao adolescente, por meio do Projeto Cunhatã-Cumirim. O Tribunal entendeu que havia irregularidades nas contas prestadas pelo ex-prefeito.
Em fevereiro deste ano, ex-prefeito de Nova Cruz (RN), Vandy Ernesto de Andrade, sofreu uma das mais altas condenações aplicadas pelo TCU: R$ 295.473,84 por não executar parte do convênio assinado como o Ministério da Saúde por intermédio da Fundação Nacional da Saúde. A verba era destinada à construção de 131 unidades sanitárias.
Na dança da prestação de contas, não são só os homens que recebem multas. Em fevereiro deste ano, o Tribunal condenou a ex-prefeita de Guia Lopes de Laguna (MS), Crescência Vogado Scheuer, a pagar R$ 28.472,85 por irregularidades na aplicação de valores repassados pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. A verba era destinada à execução de obras de drenagem para escoamento de águas pluviais. Na ocasião, uma inspeção feita no local constatou que a execução da obra estava quase completa, mas estava fora de uso devido a falta de “bocas de lobo” e pavimentação das ruas.
Na única condenação sofrida no estado do Rio Grande do Sul, Glênio Pereira Lemos, ex-prefeito de Santana do Livramento (RS), foi condenado a pagar R$ 178.449,54 por não prestar contas dos valores repassados pelo FNDE. Os recursos eram destinados à ampliação de três escolas de ensino fundamental.
Administração saudável
Em fevereiro passado, o presidente do TCU, ministro Adylson Motta, em pronunciamento na CPMI dos Correios, apresentou alternativas para o aperfeiçoamento do sistema de controle da administração pública. Ele propôs a garantia de acesso do TCU a informações protegidas por sigilo, alterações legislativas para aumento da efetividade das suas decisões e o aperfeiçoamento do controle interno e sua integração com o controle externo, mediante regulamentação do artigo 74 da Constituição Federal.
O presidente informou que o TCU, assim como outros órgãos de controle, não possui autorização legal para obter informações protegidas pelos sigilos fiscal e bancário, o que compromete muitas de suas investigações de forma quase irremediável.
Adylson Motta observou, também, que as normas legais que regulam os procedimentos do Tribunal, embora tenham a intenção de assegurar a ampla defesa, são excessivamente complexas, o que termina por retardar os processos de investigação e de responsabilização dos gestores que praticam irregularidades.
O presidente defendeu a criação de um controle próximo da ação estatal, de modo a prevenir ou a reprimir imediatamente atos irregulares. Ele sugeriu, ainda, a criação de uma rede pública de controle que coordene a ação dos órgãos e entidades que participam ou detêm informações importantes para a fiscalização das atividades estatais. A rede seria formada pelo próprio TCU, e pela Corregedoria-Geral da União, Polícia Federal, Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Banco Central, Receita Federal, Coaf — Conselho de Controle de Atividades Financeiras, e os tribunais de contas de estados e municípios.
Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2006
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