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quarta-feira, dezembro 11, 2024

Na sala do comandante do DOI-Codi, dava para ouvir gritos dos torturados

Publicado em 11 de dezembro de 2024 por Tribuna da Internet

Aos 100 anos, morre no Rio de Janeiro o jornalista Hélio Fernandes

Helio Fernandes retrata sua primeira prisão no Rio

Carlos Newton

Conforme explicamos ontem, a Tribuna da Internet sofreu há alguns anos um brutal ataque de hackers, que atingiu nossos arquivos, destruindo importantes textos de Helio Fernandes, Carlos Chagas, Sebastião Nery e outros jornalistas que não estão mais entre nós.

Mas sobraram alguns artigos que o comentarista José Guilherme Schossland, ex-vereador catarinense, havia preservado. O texto a seguir é mais um deles, que vale a pena ler de novo.

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NA MINHA PRIMEIRA PRISÃO, CONSTATEI
QUE POUCOS ESCAPAVAM DA TORTURA

Helio Fernandes

O excelente repórter Chico Otávio, de O Globo, entrevistou o coronel Riscala Corbage, que disse textualmente: “Torturei mais de 500 presos”. Como os outros envolvidos, principalmente o coronel Paulo Belham, (que foi logo silenciado), se despediu do jornalista com a afirmação: “Não tenho o menor peso na consciência”. Belham também tinha sua frase de bolso: “Não tenho remorso ou arrependimento”.

Chico Otávio encerrou sua reportagem com essa confissão, mas começou de maneira ainda mais jornalística: “O cara urra de dor”.

MENTINDO – Só que os Corbage e Belham mentiam avidamente, por simples exibicionismo. Acreditavam que confessando e exagerando, voltariam ao apogeu.

Os dois já estão acima dos 80 anos, imaginavam (e Corbage ainda imagina) que nada aconteceria a eles.

Como todos os generais de 64, principalmente os que chegaram a “presidentes”, já morreram, os dois torturadores não pensavam que surgisse essa expressão de duas palavras: “crimes imprescritíveis”.

500 TORTURADOS? – Corbage, esse capitão da Polícia Militar, tenente-coronel na reserva, torturou muito e se pode desmenti-lo, com o maior prazer. Só que mente em alta velocidade, desabaladamente. O Exército sempre teve desprezo e desapreço pela Polícia Militar. E esta, total ressentimento, por causa da hierarquia.

Os oficiais da Polícia Militar só chegavam a coronel, paravam por aí. E os comandantes eram sempre generais, lógico, do Exército. Lutaram dezenas e dezenas de anos para mudar a situação. Só foram conseguir quando se revoltaram contra o general Fiuza de Castro (o filho, o filho, o pai era ótima figura, a genética não exerceu o seu poder).

E esse Fiuza de Castro foi um dos mais displicentes comandantes do DOI-Codi. Não torturava pessoalmente e provavelmente não sabia de tudo o que acontecia. Mas existiam centenas de oficiais do Exército servindo no DOI-Codi e não deixariam que um Capitão PM exercesse tanto Poder para a tortura de “500 presos”.

CONFISSÕES DE MIM – Em minha primeira ida ao DOI-Codi, seu comandante era precisamente Fiuza de Castro (o filho, o filho…).

Saltei lá naquela entrada enorme, com cartazes do PIC (Pelotão de Investigação Criminal), uma figura fardada apontando um dedo para a frente, como se fosse uma ameaça, devia ser mesmo.

Mais ou menos 11 da noite. O Exército não transportava presos, aqui no Rio isso era feito pela polícia. Eles me diziam: “Ficamos assustados em trazer alguém, sabemos o que acontece”. Me levaram para uma sala, um major explicou: “O general Fiuza já foi comunicado, está chegando”.

GRITOS DE TORTURA – O prédio do DOI-Codi não era tão grande quanto parecia. Dava para ouvir gritos de tortura, incessantes, assustadores, mortais. Um capitão até de boa aparência, sussurrou: “São todos muito jovens, choram por qualquer coisa”. Não deu para saber se ele era contra a tortura ou se depreciava a reação dos torturados.

O general Fiuza levou quase duas horas para chegar, não cumprimentou ninguém, sentou numa cadeira distante. Vestia calça cinza e paletó de xadrez, nenhum jogo de palavras. Inesperadamente olhou para mim, falou: “Gosto muito quando o senhor escreve sobre futebol, por que tem que se meter na nossa vida?”.

Entendi que não seria torturado, porque a imprensa inteira sabia de minha prisão, que seria manchete de todos os jornais. Mas dava para ouvir gritos de tortura, incessantes, assustadores, mortais.


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