Guerra completou seu primeiro ano, e Netanyahu já pode trocar de pele
Wálter Maierovitch
Do UOL
Para muitos especialistas em geopolítica, geoestratégia e direito internacional, tudo está, em termos de tragédia, igual ao primeiro dia. Ou seja, o dia da inesquecível matança de 7 de outubro de 2023. E os que entendem não ter havido terrorismo, mas resistência, fingem esquecer que ocorreu um ataque armado contra civis inocentes, apanhados de surpresa e sem a mínima condição de reação.
Esse pessimismo dos especialistas baseia-se na ampliação do conflito, no número de mortes em Gaza e no Líbano, nos reféns ainda mantidos pelo Hamas e na perigosa guerra verbal entre o premiê israelense Benjamin Netanyahu e o aiatolá Ali Khamenei.
SIMBOLISMO – Khamenei voltou a portar e exibir metralhadora, num simbolismo que indica combate. Continuou a negar ao povo de Israel o direito de existir. Em outras palavras, quer tirar Israel do mapa. No particular, mantém inalterada a posição de Ruhollah Khomeini, líder da revolução iraniana de 1979, que derrubou Reza Pahlevi, o xá da Pérsia.
Por sua vez, Netanyahu colocou-se em falsos panos de libertador do povo iraniano, contra a ditadora dos aiatolás, que transformou o Irã numa teocracia xiita, com polícia de costumes reprimindo as mulheres que querem ser livres. Os mais otimistas nessas áreas trabalham com a constatada mudança na popularidade de Netanyahu. De tal maneira, passaram, nas análises, a acreditar numa paz não distante.
Tudo começou como guerra de defesa por parte de Israel, com apoio no artigo 51 da Carta Constitucional das Nações Unidas. E a legítima defesa é admitida pelo direito internacional público, o direito das gentes.
O INÍCIO – O Hamas, como se sabe, invadiu Israel e, em ação terrorista, matou 1.500 judeus e sequestrou 240 israelenses. Netanyahu restou apontado como o grande responsável pela tragédia, por ter deslocado as forças de fronteira com Gaza. Destacou as tropas, num novo arranjo, para a proteção de colonos invasores, com planos de ilegais e imorais assentamentos na Cisjordânia, terra palestina.
Para se manter no poder, Bibi, integrante do partido direitista Likud, aliou-se à direita radical, aos religiosos ortodoxos e aos supremacistas sionistas. Com efeito, Bibi reagiu ao terrorismo do Hamas, mas Israel excedeu-se na legítima defesa, de modo a descaracterizá-la.
Com isso, descumprindo resolução da ONU de proteção à população civil, Netanyahu virou autor de crimes de guerra e contra a humanidade. Mais ainda, mostrou-se ao mundo como um sanguinário e está sendo investigado pelo Ministério Público junto ao Tribunal Penal Internacional e responde a representação, proposta pela África do Sul, na Corte Internacional de Justiça.
ENTRA O HELBOLLAH – No dia seguinte ao terror do Hamas, o Estado de Israel, na região norte da Galileia, passou a ser continuadamente bombardeado pelo grupo xiita Hezbollah. O Hezbollah aprovou o ataque terrorista de 7 de outubro do Hamas e ampliou os bombardeios no norte de Israel, provocando êxodo de israelenses habitantes na região da Galileia: 60 mil deixaram as suas casas.
Novamente com apoio no direito de defesa, Netanyahu atacou o Hezbollah, em território libanês e na periferia, onde a organização mantinha o seu quartel-general. O IDF (força militar de Israel) começou a invadir o sul do Líbano para, segundo declarado, evitar ataques, afastar o Hezbollah para atrás da linha azul demarcada pelas Nações Unidas e ensejar a volta de 60 mil israelenses para as suas casas.
Mirar o ataque no Hezbollah, dado o quadro, era legítimo. Mas, na periferia atacada, além de parte do centro de Beirute e região leste libanesa, outros dois redutos do Hezbollah, estão civis, não participantes do grupo armado, ainda que xiitas de crença.
VÍTIMAS CIVIS – Voltou o problema de ataques às vítimas civis — e pouco interessa o credo religioso. Teremos, com relação a essa situação, amplos embates jurídicos e muitas teses em defesa de Israel, a entrar até a excludente do estado de necessidade, de sobrevivência.
Importante colocar, e esse é o objetivo deste comentário, a mudança de posição de muitos israelenses. Ou seja, não aprovam a atuação do governo Netanyahu em Gaza, mas aprovam referentemente ao Hezbollah.
Diante disso, a popularidade de Bibi cresceu exponencialmente. A ponto de Bibi já estar pronto para mudar de lado, deixando os extremistas da ultradireita. Netanyahu sabe bem que, para se manter vivo politicamente e permanecer primeiro-ministro, precisa mudar de lado. Até porque os radicais querem a ilegítima e ilegal anexação da Cisjordânia e não aceitam um Estado palestino.
ESTADO PALESTINO – Ao mudar de lado, abandonando os radicais, Bibi terá de buscar a paz e se empenhar para a criação de um Estado Palestino. Assim, parece que vem aí um novo Bibi Netanyahu.
Ele faz qualquer negócio para manter o poder. Os ventos internacionais sopram, com força de exigências para o fim da guerra, com paz e criação de um Estado palestino independente, autônomo.
Aqueles que apostavam numa nova Guerra dos Cem Anos, como aquela ocorrida em época medieval, envolvendo os reinos da Inglaterra e da França, já começam a mudar o foco e acreditar num novo Netanyahu. Que ele é camaleão, todos sabem, até a quipá na sua cabeça.