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terça-feira, maio 02, 2023

Corrupção, prevenção e desigualdade (XVIII)




A ineficiência do combate à corrupção com foco majoritário na repressão

Por Aldemario Araujo Castro* (foto)

Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.

A ineficiência do combate à corrupção e problemas assemelhados com foco majoritário nas medidas repressivas pode ser demonstrada com relativa facilidade, não obstante a visão social amplamente disseminada em sentido contrário.

A consideração inicial a ser posta é de natureza geral. A repressão não ataca as causas profundas do problema. Qualquer intervenção social que não aborde as raízes das dificuldades simplesmente estabelece um acordo tácito para a persistência dos problemas. Afinal, a fonte dos fenômenos permanece ativa. Como alerta a sabedoria popular, a erva daninha continuará a brotar se não for erradicada desde a raiz.

A imagem das “bocas de fumo” que passam de mão em mão, de traficante para traficante, é muito emblemática. Retirar um chefe do tráfico de circulação não afeta o complexo processo de produção, comercialização e consumo das drogas ilícitas. Nesse sentido, quando se retira um corrupto de circulação abre-se espaço para a manutenção das práticas delituosas por outros atores com as mesmas inclinações criminosas. Ocorre, nesses casos, uma espécie de promoção nos meios da bandidagem de colarinho branco. Não raro, são dadas festas comemorativas com o adequado disfarce social, é claro.

Uma das mais tristes consequências do combate à corrupção e outros desvios focado em medidas repressivas são os revezes observados, depois de algum tempo, em vistosas e pirotécnicas operações policiais e judiciais.  As anulações, cancelamentos e arquivamentos de inquéritos e processos são verdadeiras duchas de água fria na expectativa generalizada de se fazer justiça (ou justiçamento) em relação aos degenerados morais que se alimentam de dinheiro sujo.

A lista de malogros em operações de combate à corrupção nos últimos tempos no Brasil é consideravelmente extensa. Vejamos alguns exemplos bem vistosos desses esforços frustrados.

1. Operação Castelo de Areia. Em 2009, a Polícia Federal realizou a operação para investigar crimes financeiros e de lavagem de dinheiro relacionados às negociações do Grupo Camargo Corrêa. Essa investigação mirou as atividades da empreiteira e se estendeu a políticos envolvidos em esquemas de corrupção. Em abril de 2011, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a operação. Alegou-se, estranhamente, para dizer o mínimo, que denúncias anônimas não poderiam ser usadas como base para investigações. Consta que a jurisprudência anterior da Corte havia permitido a realização de apurações de irregularidades com base em denúncias anônimas em mais de trinta ocasiões.

2. Operação Satiagraha. Realizada pela Polícia Federal, com início por volta de 2004, contra o desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo o site CONJUR (conjur.com.br): “A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todos os procedimentos decorrentes da Operação da Satiagraha da Polícia Federal, inclusive a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Por três votos a dois, o STJ considerou que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal. (…) O STJ também entendeu pela anulação por causa da contratação de investigadores particulares, pois não fazem parte do quadro da Polícia Federal (…) Os ministros também consideraram nula a ação controlada montada pela Polícia Federal, sob comando do delegado Protógenes, com autorização do juiz Fausto Martin de Sanctis, para provar uma suposta tentativa de suborno de um delegado da PF por Daniel Dantas”.

3. Operação Faktor (anteriormente denominada Operação Boi Barrica). A Policia Federal investigou uma suspeita de caixa dois na campanha eleitoral de 2006. Em 2011, “o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas colhidas durante a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou suspeitas de crimes cometidos por integrantes da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Os ministros da 6ª Turma do STJ consideraram ilegais interceptações telefônicas feitas durante as investigações” (fonte: veja.abril.com.br).

4. Operação Caixa de Pandora. Em 2014, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios afirmou na inicial da ação penal pertinente: “a poderosa quadrilha integrada por tais indivíduos, vinculados pela união nos desígnios de cometer os mesmos crimes, implantou um sofisticado estratagema de corrupção, entranhando-se na estrutura administrativa e de governo com a finalidade de cometer crimes para financiar suas atividades ilícitas, conquistar e manter o poder político e enriquecer seus membros e aliados”. Os crimes teriam ocorrido entre o início de 2006 e abril de 2010. Em março de 2023, sentença da Justiça reconheceu a prescrição da ação por formação de quadrilha e beneficiou 20 réus (fonte: metropoles.com).

5. Operação Lava-Jato. Um conjunto de investigações realizado pela Polícia Federal envolvendo o cumprimento de mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva. Buscava apurar um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina, denominado Petrolão. Iniciada em março de 2014, contou com cerca de 80 fases operacionais durante as quais foram presas e condenadas mais de cem pessoas. Foi considerada a maior investigação de corrupção da história do Brasil.

Um aspecto, entre inúmeros outros, chama a atenção em relação à Operação Lava-Jato. Foi apresentada como uma consistente e implacável operação contra grandes esquemas de corrupção operados por políticos e empresários. Afirmava-se que depois de várias operações anteriores malogradas, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário aprenderam com os erros e tudo seria diferente rumo a um resultado final exitoso. Não foi bem isso que aconteceu.

Segundo a Folha de S. Paulo, em matéria jornalística de janeiro de 2022, das 45 sentenças expedidas de 2014 a 2018 pelo então Juiz Federal Sérgio Moro no âmbito da operação, 8 já tinham sido anuladas pelo STF (Superior Tribunal Federal) ou pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

As mais variadas motivações jurídicas foram (e são) invocadas para anular operações de combate à corrupção. Eis algumas delas: a) utilização de denúncias anônimas; b) incompetência; c) suspeição; d) provas obtidas por meios ilícitos e e) prescrição.

A sucessão de operações frustradas gera um poderoso reforço na sensação de injustiça e impunidade reinante no Brasil. Ademais, consideráveis gastos de recursos pecuniários estatais são contabilizados sem resultados práticos. No caso da Operação Lava-Jato estão sendo cogitadas reparações e indenizações para as pessoas físicas e empresas atingidas economicamente pelas investigações e processos. O site CONJUR (conjur.com.br) noticiou em abril de 2022: “As anulações de decisões da finada ‘lava jato’ e seus desdobramentos têm feito com que cresça um movimento de vítimas para pedir indenização pelos danos causados pela autodenominada força-tarefa. Em regra, tais ações devem ser movidas contra a União. (…) Diversas decisões da ‘lava jato’ vêm sendo revogadas por tribunais. O caso mais famoso é a anulação das condenações de Lula pelo Supremo Tribunal Federal”.

Portanto, por inúmeras e consistentes razões, é imperioso rever essa preferência social generalizada pelas ações repressivas em favor de uma ênfase maior nas medidas preventivas a serem implementadas no árduo processo de combate à corrupção e desvios congêneres.

*Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional.

Diário do Poder

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