Natália Portinari
O Globo
Deputados e senadores da cúpula do Congresso conseguiram levar mais recursos do Orçamento de 2020 para suas bases — e de seus aliados — do que parlamentares do chamado baixo clero no ano passado. A criação das chamadas “emendas de relator” permitiu que este grupo tivesse acesso a mais verba que os demais, que só tiveram direito às emendas individuais.
O relator do Orçamento de 2020, Domingos Neto (PSD-CE), foi quem conduziu a divisão dos valores. Nem todas essas indicações podem ser identificadas, justamente por não estarem atreladas oficialmente aos parlamentares. Os valores foram confirmados ao O Globo por fontes que participaram das negociações. Os ministros do governo também tiveram direito a parte destes recursos.
REMANEJAMENTO – Essa nova modalidade de emenda foi criada pelo Congresso e sofreu resistência do governo. Inicialmente, o relator indicaria os beneficiários dos valores, o que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na configuração atual, o relator apenas autoriza o remanejamento da verba aos ministérios. Os ministros ficam responsáveis por liberar os pagamentos para as cidades ou estados indicados.
Por isso, quem tem mais trânsito no governo acabou sendo privilegiado. As liberações honraram os acordos feitos entre parlamentares, mas foram em grande parte intermediadas por deputados governistas, como Arthur Lira (PP-AL), candidato a presidente da Câmara dos Deputados com apoio do Planalto.
CIDADES PRIVILEGIADAS – Dentro do bolo das emendas de relator, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) enviou R$ 123 milhões para Santana (AP). Ele centralizou a distribuição dos R$ 2 bilhões das emendas de relator que couberam ao Senado.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), enviou R$ 86 milhões a Petrolina (PE), cidade da qual seu filho, Miguel Coelho, é o prefeito. A quarta cidade foi o Rio, com R$ 106 milhões. O responsável foi o senador Flávio Bolsonaro. Já o senador Omar Aziz (PSD-AM) levou R$ 125 milhões para Parintins (AM), onde o prefeito é um aliado seu — ele nega a indicação.
Deputados relatam insatisfação com as negociações.”Seria melhor aumentar o volume das emendas individuais dos deputados e acabar com emenda de relator, que é uma coisa absurda, esdrúxula. Nem no parlamentarismo tem isso”, diz Danilo Forte (PSDB-CE).
FAVORECIMENTO – Ao todo, 3,9 mil municípios receberam a verba. Como mostrou o O Globo, a cidade que mais recebeu foi Tauá (CE), onde a mãe de Domingos Neto, Patricia Aguiar, foi eleita prefeita no ano passado. Ele diz não haver nada de ilegítimo na indicação.
Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) teria direito a cerca de R$ 500 milhões. Ele disse ao O Globo que não usou as indicações. “Não tive ingerência de nada no Orçamento e não tive ingerência sobre os R$ 500 milhões. Sempre libero a parte da presidência para os deputados redistribuírem entre os partidos. Cada partido pega essa parte direto com o relator, não passa por mim”, afirmou.
INSATISFAÇÃO – Líderes tiveram direito a mais de R$ 50 milhões. Baleia Rossi (MDB-SP), era líder de seu partido. Sua cidade, Ribeirão Preto (SP), recebeu R$ 2,2 milhões. Ele não respondeu sobre quanto teve direito a indicar. Arthur Lira (PP) distribuiu a verba a aliados. No final de 2020, Lira prometeu repasses a deputados do PROS, Podemos, Avante, PSD, PP, DEM e PSDB. Nem todos os valores foram liberados, o que gerou insatisfação.
Em nota, Lira disse que “como líder, o deputado Arthur Lira distribui os recursos entre os demais parlamentares nos projetos importantes para seus Estados e municípios”. No Orçamento de 2021, ainda não aprovado, não há valor definido para esse tipo de emenda. Márcio Bittar (MDB-AC) é o relator. Senador da bancada ruralista, conservador e crítico de pautas ambientalistas, Bittar é próximo do líder MDB no Senado, Eduardo Braga.