Dora Kramer
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discorda da avaliação de que o Brasil só tem colecionado derrotas em disputas por representações em organismos internacionais – “tivemos vitórias importantes, como a escolha do professor Cançado Trindade para a Corte Internacional de Justiça (Haia)” – e rechaça particularmente as análises que atribuem os fracassos a erros de estratégia do Itamaraty.
No último caso, o da perda da vaga na Organização Mundial do Comércio para o México, o chanceler acha que o Brasil não apostou numa causa perdida. Para ele, a candidatura da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, foi uma “opção razoável”.
No próximo e mais polêmico episódio, a eleição do diretor-geral da Unesco, Celso Amorim não só confirma o apoio do Brasil ao ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosny, como acha esta a melhor opção para o Brasil.
A justificativa é conhecida: aproximação com os árabes. “Nos últimos anos mais que triplicamos o volume de negócios comerciais com esses países. Além disso, formam o único grupo que nunca ocupou a diretoria-geral da Unesco.”
E a declaração do egípcio dizendo que queimaria livros em hebraico, que provocam repúdio internacional? “Foi uma declaração infeliz da qual já se retratou e que certamente não significa uma posição antissemita, muito menos pode ser vista como um impedimento. Até porque, se eleito, ele terá uma condução pautada pela moderação”, avalia Celso Amorim.
Na opinião dele, o apoio do Brasil ao nome de Hosny não prejudica as relações com Israel. “Ao contrário, acho até que nos credencia ao diálogo”. O ministro não concorda que seja uma derrota anunciada nem que o Itamaraty tenha feito a escolha errada ao ignorar as candidaturas dos brasileiros Márcio Barbosa, atual diretor adjunto da Unesco, e do senador Cristovam Buarque. “Quem tem dois candidatos não tem nenhum.”
Celso Amorim é inflexível diante do argumento de que Márcio Barbosa teria mais chance de ganhar que o egípcio: “Uma coisa é o que o candidato diz, outra é o que os países que votam dizem.” Com base nessa prospecção, o ministro continua apostando na eleição de Farouk Hosny. “Fizemos uma escolha, está feita, não tem volta.”
Por via das dúvidas, registra: “Se perder, não será uma derrota do Brasil.” Como também, na visão do ministro, não pode ser vista assim a recente perda na OMC, que ensejou uma série de críticas ao Itamaraty.
“Já fiz parte comitê de seleção da OMC e sei que o processo não prima pela exatidão de critérios. Há subjetividades envolvidas, que se alteram conforme o momento e o objetivo do comitê. Por isso, as variáveis todas não podem ser previstas.”
O embaixador levanta a possibilidade de o Brasil ter perdido pelo destaque que vem ocupando no cenário internacional e na própria OMC, por posições e vitórias anteriores em contenciosos comerciais e admite até que a decisão tenha levado em conta o fato de um brasileiro (Luís Olavo Baptista) ter ocupado o mesmo posto por oito anos.
Não corrobora, porém, as alegações de que faltou à ministra Ellen Gracie conhecimento específico para se credenciar ao cargo. “Como disse, já fiz parte do comitê de seleção e já fui embaixador em Genebra duas vezes. Já vi serem escolhidos candidatos com perfil jurídico, como o da ministra. Ademais, as informações que me chegavam mostravam boas chances.”
Finalmente, vamos ao ponto que, de fato, desconforta e move o ministro Celso Amorim a se manifestar: a interpretação de que sua conduta à frente do Itamaraty não é a de um diplomata a serviço do Estado, mas a de um servidor do governo Lula, obediente aos ditames do grupo ocupante do poder em curso.
O chanceler começa por divergir do conceito. Não vê diferença entre o governo e o Estado. “Sirvo ao Estado quando sirvo ao governo do Brasil, que tem mandato para fazer as transformações importantes que o presidente Lula tem feito em todas as áreas, inclusive na política externa.”
A indicação de uma integrante do Supremo Tribunal Federal para a OMC não foi feita para “agradar ao presidente”. A referência é ao fato de que com isso Lula teria uma vaga aberta no tribunal para indicar o advogado-geral da União, José Toffoli.
“A sugestão não foi minha, foi do antecessor no posto.” Celso Amorim não vê termo de comparação possível entre as funções do Itamaraty e das Forças Armadas no que tange a carreiras tipicamente de Estado. “A política externa não é uma repetição sempre igual dos mesmos princípios, independentemente de qual seja o governo. É uma política e, como tal, requer adaptação ao tempo, às circunstâncias e às necessidades dos governos.”
As críticas, o ministro as vê como infundadas. Na opinião dele, a atual política externa tem rendido ganhos até inesperados. “Diziam que nossas posições prejudicariam as relações com os Estados Unidos, que nunca foram tão boas como agora.”
Fonte: Gazeta do Povo
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