Terceiro colocado em Aracaju, senador Almeida Lima tenta anular eleição na Justiça sob argumento de que houve problema em pelo menos 554 urnas
Mário Coelho
Encerradas oficialmente em 18 de dezembro, último dia para diplomação dos eleitos no pleito de outubro, as eleições municipais de 2008 ainda provocam polêmicas. O motivo é a suspeita, apontada por especialistas em segurança de informática, de fraudes na urna eletrônica em diversas cidades brasileiras. A última delas envolve a cidade de Aracaju (SE).
Na sexta-feira passada (2), o senador Almeida Lima (PMDB-SE) entrou com um pedido de anulação das eleições na capital sergipana no Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE-SE). Ele perdeu o comando do Executivo municipal para o prefeito Edvaldo Nogueira (PCdoB), reeleito ainda no primeiro turno com 51,72% dos votos válidos. Na ação, o peemedebista, que ficou em terceiro lugar, com 17,7% dos votos válidos, denuncia supostas fraudes nas urnas que teriam beneficiado seu adversário.
O senador sergipano argumenta que foram atribuídos votos a pessoas que não eram candidatas na cidade. Ele também aponta que, em alguns casos, houve divergência nos votos recebidos por um mesmo candidato a vereador.
Por conta disso, o peemedebista contratou duas empresas especializadas em perícia eletrônica. De acordo com o senador, os técnicos encontraram algumas irregularidades. Das 916 urnas eletrônicas usadas no pleito, 554 apresentaram problemas na tecla corrigir. Somente as 162 restantes estavam em condições de uso.
A análise das empresas mostrou também que, em as todas as urnas usadas, havia nomes de pessoas cuja candidatura não havia sido registrada. “Nós temos provas que todas elas, sem exceção, as 916 urnas que foram utilizadas nas eleições em Aracaju, foram violadas no dia 4 de outubro, véspera das eleições”, afirmou Almeida Lima ao Congresso em Foco.
Sem prejuízo
Não é a primeira vez que Almeida Lima entra com um recurso argumentado fraude nas eleições. Em novembro passado, ele recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a anulação do pleito. A ação chegou ao corregedor do TSE, ministro Félix Fischer.
Fischer, então, enviou um pedido de informações ao TRE-SE. Mas antes afirmou, em decisão monocrática, que o setor técnico do tribunal “noticiou que (...) do início das eleições até o seu encerramento, não se observou nenhuma ocorrência anormal nos sistemas sob a responsabilidade deste Tribunal”.
Os advogados do candidato derrotado em Aracaju também questionavam problemas ocorridos no Sistema de Apresentação dos Resultados (Siapre), que mostrava números diferentes da apuração do TSE. O ministro escreveu que as incorreções apontadas não refletiram na "realidade dos dados captados, transmitidos, totalizados e divulgados pelos sistemas deste Tribunal Superior".
Sobre a nova ação do peemedebista, por estar em recesso judiciário, nem o presidente do TRE-SE nem a assessoria de imprensa foram encontradas para comentar o assunto. O ministro Felix Fischer não vai se pronunciar sobre o caso, já que a ação não chegou à corte eleitoral.
Violações
A preocupação com a segurança das eleições chegou à Câmara dos Deputados. Em novembro e dezembro, duas audiências públicas foram realizadas para discutir o assunto. Na ocasião, o professor Pedro Dourado Rezende, da Universidade de Brasília (UnB), listou uma série de municípios com fortes indícios de fraudes na última eleição.
De acordo com ele, Nova Esperança (PR), Itajaí (SC), Bragança Paulista (SP), Cabo Frio (RJ), além de outros 12 municípios da Bahia tiveram problemas. Nas cidades baianas, por exemplo, contatou-se que metade dos mesários não assinou a ata de votação e o boletim de urna.
Esse também é o caso do município de Caxias, no interior do Maranhão. Dois peritos – Gledston Reis e Gladston de Oliveira –, contratados pela da ex-prefeita Márcia Marinho (PMDB), derrotada na disputa pela prefeitura do município nas eleições de outubro passado, atestaram que urnas eletrônicas foram adulteradas na cidade dois dias antes do pleito.
Pelo resultado da análise de 10 urnas, verificadas por ordem da Justiça Eleitoral local, a dupla de técnicos ainda assegurou que a fraude é possível no sistema eleitoral brasileiro e que alguém com acesso a elas, durante 15 minutos, elegeria facilmente até o presidente da República.
Reportagem veiculada em dezembro do ano passado pela TV Bandeirantes trouxe depoimento de eleitores que afirmaram ter encontrado vários problemas na hora de votar. Um deles dizia que, ao escolher um candidato a vereador, a foto não aparecia, somente o número. Mesmo assim, os mesários mandavam confirmar a escolha.
O caso foi parar na Polícia Federal, que recolheu urnas e abriu um inquérito para investigar a denúncia de fraude. Como os peritos da PF ainda não terminaram a perícia, o delegado federal Leonardo Portela Leite afirmou que não iria se pronunciar.
Antes do término da investigação da PF, o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) se apressou em negar que tenha havido problemas na cidade. A corregedora do órgão, desembargadora Nelma Sarney, afirmou, em entrevista coletiva realizada em dezembro, que “não houve qualquer violação em urnas eletrônicas”.
A desembargadora disse que técnicos do TSE entenderam que os dois analistas contratados pela ex-prefeita cometeram erros por desconhecimento do processo. “Ficou constatado que não houve qualquer suspeição do processo de votação”, enfatizou a corregedora do TRE-MA.
Impressão
Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco acreditam que há uma concentração equivocada de poderes. Eles dizem que a entidade que opera a eleição, o TSE, é “também juiz dos seus próprios atos segundo suas próprias regras”.
“[O TSE] Ao ser acionado por qualquer candidato que se vê prejudicado, julga enquanto controla o acesso às provas, seja de possíveis irregularidades, seja para certificar o resultado da eleição”, afirmou Pedro Rezende, em entrevista por e-mail ao site. “De outro lado, alardeia, em tom desafiador, que seu sistema é seguro porque ninguém nunca provou que tenha havido fraude com ele”, completou.
O engenheiro e especialista em urnas eletrônicas Amilcar Brunazo Filho tem a mesma opinião. Segundo ele, não existe controle externo das eleições. “Quem tem poder não gosta de ser fiscalizado. O Brasil, que saiu na frente dos outros países com a informatização do voto, está se tornando o mais atrasado. É o único que não permite auditoria externa”, opinou.
O professor da UnB ressalta que os problemas técnicos têm sido apontados desde o início da informatização. Mas, na opinião dele, falta visibilidade para as conseqüências desses problemas. “Eles têm sido tratados como tabu tanto no Parlamento como pela grande imprensa”, analisou.
Os dois lembram que a impressão do voto poderia servir como uma espécie de auditoria externa. Entretanto, o TSE não aceita a volta da materialização dos sufrágios. “A desmaterialização do voto acabou com as fraudes de varejo, aquelas em que se manipulavam registros materiais de votos ou de votações. Mas ao preço de se introduzir fraudes de atacado”, alertou Rezende.
“O que a retenção de um registro material do voto pode fazer, se bem implementada, é permitir que as vantagens dos dois métodos, os de materialização e da desmaterialização, sirvam para neutralizar as desvantagens do outro, isto é, para dificultar ou expor eventuais fraudes cometidas através do outro método”, completou o professor da UnB.
Já o engenheiro Brunazo lembra que a velocidade da apuração, apontada pelo TSE como uma das maiores vantagens da urna eletrônica, não pode superar a confiabilidade. “Uma é desejada e a outra é necessária”, disparou.
O Congresso em Foco entrou em contato com TSE três vezes antes do recesso judiciário, mas não conseguiu o contato com o secretário de Tecnologia e Informação do órgão, Giuseppe Dutra. Na audiência pública na Câmara dos Deputados, ele afirmou que desde a implantação do sistema de voto eletrônico, há 12 anos, "nunca foi confirmada a ocorrência de fraude deliberada no processo".
Choro de perdedor
O secretário da corte eleitoral responde que "os perdedores das eleições tentam justificar a derrota na contagem de votos e que essa situação ocorre mesmo na votação manual, com pedido de recontagem". O órgão explicou ainda que a fraude nas urnas é inviável porque "há uma grande quantidade de dispositivos de segurança existentes" e que "seria necessário cooptar um grande número de pessoas para fraudar um resultado eleitoral".
O secretário do TSE disse, segundo a Agência Câmara, que a adoção do voto impresso não é recomendável porque reintroduz a manipulação humana dos votos no processo, aumentando os riscos de fraude. Além disso, destacou que as impressoras estão mais sujeitas a estragar que as urnas eletrônicas ao longo do caminho percorrido até os locais de votação, aumentando a possibilidade de falhas no sistema.
"A urna eletrônica, quando sai da fábrica, viaja milhares de quilômetros, chegando às vezes a uma aldeia indígena, sofrendo influências de temperatura, umidade, poeira, solavancos", acrescenta o representante do TSE. "Se uma impressora, que é mais suscetível a esses impactos, passasse por isso, o nível de falha aumentaria muito e fragilizaria o elemento de auditoria.”
Fonte: Congressoemfoco
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