Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - O dia seria ontem, mas como caiu numa sexta-feira e ninguém é de ferro, fica a reabertura dos trabalhos do Congresso para segunda-feira, 4. Data que não garante nada, porque quorum, mesmo, em tempos normais, só nas terças à noite, mas, como estamos em ano eleitoral, nem com bola de cristal se poderá prever. Mais de cem deputados são candidatos a prefeito, em campanha, encontrando-se os demais, e os senadores, empenhados nas disputas mais importantes em seus estados de origem.
Mesmo assim, com as sessões de reabertura instaladas dentro de dois dias, vale previsão pouco otimista dos resultados deste semestre. Porque, no Senado, os trabalhos começarão sob o eco da denúncia do procurador geral da República, Antônio Fernando de Sousa, contra o líder do governo, Romero Jucá, do PMDB.
O parlamentar, ex-governador e ex-ministro do governo Lula é acusado de crime financeiro, ou seja, de ter recebido, como empresário, um empréstimo irregular do Banco da Amazônia, anos atrás. Não será fácil à bancada oficial ouvir a saudação de seu dirigente maior e, mais ainda, as orientações sobre como votar os projetos em pauta. Em especial depois que o Supremo Tribunal Federal aceitar a denúncia, hipótese que pelo jeito não demora.
Na Câmara, parece impossível evitar os efeitos da escaramuça que divide o presidente da casa, Arlindo Chinaglia, de um lado, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, de outro. Mesmo pertencendo ambos ao PT, mostram posições inconciliáveis diante da reforma política.
Tarso promete o envio de projeto de lei tratando da fidelidade partidária, do financiamento público das campanhas, da limitação do número de partidos, da votação para deputado em listas partidárias e de outras iniciativas que, salvo engano, arrastam-se há trinta anos nas cogitações legislativas. Jamais foram formalizadas e, muito menos, aprovadas. Se não votaram à reforma política durante anos tranqüilos, Suas Excelências votariam alguma coisa agora, num ano eleitoral?
Chinaglia, além do argumento referido, sustenta ser a reforma política assunto da exclusiva competência do Congresso, praia onde o Executivo não deve pôr os pés, até conforme o que dizia antes e não diz mais o presidente Lula. Trata-se, para o presidente da Câmara, de incursão descabida de um poder nas atribuições de outro.
Em suma, o País assistirá um funcionamento a meia-carga do Legislativo, pelo menos até o anúncio dos resultados das eleições municipais de outubro. Um semestre perdido. A menos... A menos que, conforme desconfiam alguns observadores mais experientes, exista uma azeitona nessa empada. Qual?
A hipótese de durante mais uma interminável discussão da reforma política um deputado qualquer incluir no texto emenda determinando o fim da reeleição e a ampliação dos mandatos de presidente da República para cinco ou seis anos. Nesse caso, o apagador seria passado no quadro negro. Começaria tudo de novo, podendo candidatar-se todos os cidadãos na posse de seus direitos políticos. Inclusive ele, ou seja, o Lula, para um terceiro mandato que não seria terceiro...
Humilhação demais gera reação
Divulgou-se esta semana estar o presidente Lula decidido a apresentar Dilma Rousseff como candidata em 2010, fato de que poucos duvidavam, mas, ao mesmo tempo, inclinado a fazer de Ciro Gomes o companheiro de chapa. Mais do que uma aliança PT-PSB, a dobradinha exprimiria o esforço derradeiro para a preservação do poder pelo grupo que o detém.
Só que tem um problema: e o PMDB, maior partido nacional, fiel servidor dos presidentes da República oriundos de outras legendas, desde os tempos do sociólogo? Resistiriam os herdeiros do dr. Ulysses a mais essa humilhação?
Bem que em troca de benesses, nomeações, ministérios e outras facilidades o PMDB tem aberto e poderá outra vez abrir mão de lançar candidato próprio ao Palácio do Planalto. Mas indicar o candidato à vice-presidência seria o mínimo a esperar. Até se fala na possibilidade de o governador do Paraná, Roberto Requião, completar a chapa encabeçada pela chefe da Casa Civil.
Com Ciro Gomes, porém, a cocada vai azedar. Se o PMDB aceitar a dupla, estará assinando senão sua própria sentença de morte, ao menos o diagnóstico de uma doença incurável. Em função disso, é bom prestar atenção. Quando acuada, sem saída, uma fera reage como jamais se imagina. Será por aí o caminho para o governador Aécio Neves retornar ao partido que o avô ajudou a fundar, candidatando-se a presidente?
Voltou a choradeira
Por conta do fracasso na chamada rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio, voltam certas elites empresariais a digitar a tecla que de quando em quando acionam na busca de satisfazer seus interesses. Falam de novo no "Custo Brasil", reclamando da falta de investimentos do governo em infra-estrutura de rodovias, ferrovias e portos, bem como da carga tributária excessiva, com ênfase para obrigações trabalhistas, além da abominável burocracia gerada pelo aumento dos gastos públicos.
Existem razões de sobra nessas críticas, e em outras, porque apesar do PAC, a infra-estrutura nacional continua lamentável, além de constituir um assalto àquilo que o governo tira do contribuinte, sem falar na choradeira dos patrões por ter que pagar salários e indenizações. E na sempre crescente ampliação do número de funcionários públicos, que sem nada para fazer infernizam a vida do cidadão comum.
O problema é que os potentados da indústria, da agricultura e do comércio levantam a questão por conta do malogro de suas expectativas em lucrar mais com a rodada de Doha, se ela desse certo. Não protestam por conta dos benefícios que se estenderiam à sociedade inteira se tivéssemos melhores rodovias, ferrovias e portos como forma de criar novos empregos, como também lamentam os direitos sociais e dão de ombros para os impostos pagos pela classe média. Até mesmo nada teriam a opor frente ao aumento dos gastos do governo, se apenas beneficiassem suas atividades.
"Custo Brasil" sempre foi palavra de ordem periódica e elitista muito pouco relacionada com as verdadeiras necessidades nacionais.
Um mês alegre
Em Buenos Aires, hoje e amanhã, o presidente Lula manterá conversações bilaterais com a presidente Cristina Kirschner, encontrando tempo para lamentar o fracasso dos países em desenvolvimento na Organização Mundial de Comércio e até para acertar os ponteiros com a Argentina.
Depois, o Aerolula voará para o Extremo Oriente, a fim de que, em Pequim, o presidente possa assistir à solenidade de abertura das Olimpíadas. Nada mais natural do que participar do evento onde estarão presentes os principais chefes de estado e de governo do planeta. O fator insólito nesse périplo é que Lula não poderá aproveitá-lo para entendimentos mais amplos com as autoridades chinesas.
Pelo menos até ontem, nada estava acertado em termos de conversas bilaterais com o presidente e com o primeiro-ministro da China. Bem que o ministro Celso Amorim fez e ainda faz força, mas a China pretende ser apenas uma festa. Então, melhor aproveitá-la...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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