Publicado em 9 de dezembro de 2024 por Tribuna da Internet
Thomas Friedman
NYT/Estadão]
Nas últimas semanas, tenho argumentado que Israel infligiu ao Irã e à sua rede de resistência o equivalente a uma derrota no nível da Guerra dos Seis Dias, e que isso teria grandes consequências. Bem, ironia das ironias, a família Assad na Síria assumiu o poder em 1971, em parte por causa da derrota devastadora da Síria na guerra de 1967. O que vai, volta.
Mas segurem seus chapéus; vocês ainda não viram nada.
A declaração mais engraçada de qualquer líder mundial até agora foi feita pelo presidente eleito Donald Trump.
DISSE TRUMP – Na mídia social, Trump fez a seguinte publicação: “A Síria está uma bagunça, mas não é nossa amiga, e os Estados Unidos não devem ter nada a ver com isso. Essa luta não é nossa. Deixem que ela se desenrole. Não se envolvam!”.
Atenção, Sr. Trump: a Síria é a pedra fundamental de todo o Oriente Médio. Ela acabou de desmoronar como uma ponte que explodiu, criando novos e vastos perigos e oportunidades que todos na região aproveitarão e reagirão.
Ficar fora disso não está no cardápio, especialmente quando temos várias centenas de soldados dos EUA estacionados no leste da Síria. Precisamos descobrir nossos interesses e usar os eventos na Síria para impulsioná-los, porque todos os outros estarão fazendo exatamente isso.
E O IRÃ? – O maior interesse dos EUA é também uma questão óbvia. É que essa revolta na Síria, a longo prazo, desencadeie uma revolta pró-democracia no Irã.
No curto prazo, isso certamente desencadeará uma luta pelo poder entre os moderados de lá – o presidente Masoud Pezeshkian e seu vice-presidente, o ex-ministro das Relações Exteriores Javad Zarif – e os linha-dura da Guarda Revolucionária. Precisamos moldar essa luta.
Os acontecimentos na Síria, além da derrota militar do Irã para Israel, deixaram Teerã nua. Isso significa que os líderes do Irã agora terão que escolher – rapidamente – entre correr para uma bomba nuclear e salvar seu regime ou se livrar da bomba em um acordo com Trump, se ele tirar a mudança de regime da mesa. É por isso, Sr. Trump, para colocar em seu tipo de letra: não podemos ter nada a ver com isso.
MAIOR INCÓGNITA – Quem são os rebeldes que assumiram o controle da Síria e o que eles realmente querem? Uma democracia pluralista ou um Estado islâmico?
A história nos diz que, nesses movimentos, os islâmicos linha-dura geralmente vencem. Mas estou observando e esperando que não seja assim.
Minha maior preocupação está expressa em uma única manchete, do Haaretz, em Israel: “A Síria pós-Assad corre o risco de ser comandada por milícias fora de controle”. Estamos em um momento da história do Oriente Médio em que há muitos países que eu descreveria como “tarde demais para o imperialismo, mas eles fracassaram no autogoverno”.
FRACASSOS – Estou falando da Líbia, do Iêmen, do Líbano, da Síria, do Iraque, da Somália e do Sudão. Ou seja, nenhuma potência estrangeira vai entrar e estabilizá-los, mas eles não conseguiram administrar seu próprio pluralismo e forjar contratos sociais para criar estabilidade e crescimento.
Nunca estivemos aqui antes, na era pós-2ª Guerra – um momento em que tantos países caíram nesse estado de natureza hobbesiano, mas em um mundo muito mais conectado.
É por isso que, depois de passar a última semana em Pequim e Xangai, eu procurei várias vezes esclarecer meus interlocutores chineses:
SOMOS AMIGOS – “Vocês acham que somos inimigos. Vocês estão errados. EUA e China têm um inimigo comum: a desordem. A forma como colaboramos para diminuir o Mundo da Desordem e fazer crescer o Mundo da Ordem é o que a história julgará a nós dois”. (Não tenho certeza se os chineses entenderam, mas vão entender).
E o melhor aforismo russo para resumir o desafio que as potências regionais e globais enfrentam agora para consertar a Síria: “É mais fácil transformar um aquário em uma sopa de peixe do que transformar uma sopa de peixe em um aquário.”