Publicado em 24 de julho de 2023 por Tribuna da Internet
Merval Pereira
O Globo
O país vive uma espécie de estresse pós-traumático, comum em pessoas (e instituições) e caracterizado pela dificuldade de voltar ao normal depois de passar por uma situação extremamente dolorosa. O que nos aconteceu durante o governo Bolsonaro, culminando com a tentativa de golpe de 8 de janeiro, continua guiando nosso sistema político-partidário sem dar descanso, fazendo com que vivamos em constante disputa ideológica que exaure a sociedade.
A agressão sofrida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma é exemplar desse estado de espírito coletivo. Não é possível convivermos eternamente com esses sobressaltos que impedem que o país se desenvolva socialmente.
ALVO PREFERENCIAL – O ministro Alexandre de Moraes tem se destacado nos últimos anos como o ponta de lança do sistema judiciário no combate às fake news e aos ataques à democracia, e nesse papel, fundamental para barrar os ímpetos golpistas do bolsonarismo, virou alvo preferencial de agressores de todo o tipo. Não é aceitável o que aconteceu em Roma, e merece punição severa o que descreveu em sua denúncia.
Mas talvez seja esse o momento para darmos uma virada de chave, e voltar ao modo normalidade. Já superamos momentos críticos na vida nacional recente, quando o impeachment da então presidente Dilma e a prisão do hoje presidente Lula levaram a que petistas radicalizassem a luta política, atacando os que consideravam inimigos em qualquer lugar em que estivessem.
A SOCIEDADE REAGE – O STF e seus ministros sempre foram o alvo preferencial desses ataques, como quando o prédio onde a ministra Carmem Lúcia tem um apartamento em Belo Horizonte foi atacado por membros do MST depois que um habeas corpus para Lula fora negado pelo plenário do Supremo. Os ministros do Supremo, muito antes do bolsonarismo surgir como força política, não podiam andar de avião de carreira em seus deslocamentos, tendo que usar aviões da FAB.
Esse estado de coisas levou a que uma parte ponderável da sociedade visse em Bolsonaro a solução para combater o petismo, já que o PSDB, que durante esses anos todos da redemocratização representou a saída do centro democrático, se perdeu pelo caminho.
As redes sociais fizeram o serviço completo, ajudando a radicalizar as posições e separando a sociedade em tribos que não se falam entre si, mas somente com seus iguais.
ATUAÇÃO GOLPISTA – A violência retórica e a explícita arquitetura de um autogolpe já falado até mesmo na campanha eleitoral fizeram com que o Supremo tivesse atuação fundamental na contenção de ações autocráticas do governo anterior. De fato, em última instância, salvaram o país de aventuras golpistas. Mas não estaria na hora de baixarmos as armas, as políticas e as reais, para que o país tenha condições de se levantar?
Lula foi eleito sob a égide da união nacional e de um governo de centro democrático. Não corresponde ao anseio de boa parcela dos que nele votaram a permanente polarização, na retórica e, sobretudo, nas ações.
A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito não pode ser usada de maneira ampliada para impedir movimentos pacíficos de oposição ao governo, e nem as ações da Procuradoria-Geral da República (PGR) podem ser absurdas como a que pede a identificação de seguidores de Bolsonaro nas redes sociais, simplesmente uma tentativa de coação.
JUSTIFICATIVA TOLA – Segundo a PGR, a ideia não é investigar os seguidores, mas mapear o alcance de postagens de Bolsonaro com informações falsas sobre as eleições e as urnas eletrônicas. Ora, há diversas empresas e instituições que fazem essa medição, sem necessidade de invadir a privacidade do cidadão.
A contenção das armas nas mãos dos cidadãos é uma medida necessária, justamente para esse desarmamento também dos espíritos.
Cabe ao governo, que se pretende o catalisador do pensamento majoritário do país a favor da democracia, atenuar a atitude belicosa de alguns de seus ministros, sobretudo o da Justiça Flávio Dino, e ao STF, resguardo dos cidadãos, encerrar os inquéritos que estão ativos há anos, punir os responsáveis, e voltar a uma autocontenção que será benéfica à sociedade.