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sábado, novembro 05, 2022

Não teve golpe




Descontentes com o resultado das eleições, manifestantes bolsonaristas infernizaram o país pedindo intervenção dos militares, mas estes não saíram da caserna. 

Por Duda Teixeira (foto)

Horas após o anúncio da vitória de Lula na noite de domingo, 30, caminhoneiros bloquearam estradas no Mato Grosso. Dali, o movimento se espraiou. Sem que fossem convocados por um líder ou partido, mas comunicando-se eficientemente pelos grupos de WhatsApp e Telegram, brasileiros insatisfeitos com a eleição participaram de mais de 800 manifestações em rodovias pelo país. Na manhã da quarta, 2, feriado do Dia de Finados, bolsonaristas com roupas e bandeiras nas cores verde e amarela se dirigiram para a frente de unidades das Forças Armadas para gritar “Lula ladrão” e pedir “intervenção militar”. Apesar de não terem sido atendidos, os protestos evidenciaram que uma parte da população brasileira não reconhece como legítima a eleição de Lula e está disposta a se expressar nas ruas, o que poderá criar empecilhos ao próximo presidente.

Nesta semana, integrantes do Alto Comando do Exército, generais e coronéis reafirmaram, em conversas internas captadas por O Antagonista, que não irão endossar os atos populares pedindo intervenção federal. A linha já estava traçada antes do pleito, quando o Alto Comando, integrado por 16 oficiais, dava sinais de que respeitaria o resultado a ser divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. “Quem ganhar leva”, afirmaram a jornalistas. Com discrição, a instituição castrense foi se distanciando da auditoria das urnas eletrônicas e, para não causar tumultos, adiou a conclusão da investigação.

Mas a falta de correspondência na cúpula militar não foi suficiente para deter um movimento que se fortalece há uma década. Os primeiros grupos a pedir abertamente uma intervenção militar no Brasil começaram a aparecer nas ruas nas Jornadas de Junho, em 2013. A petista Dilma Rousseff era a presidente e o país em crise se preparava para receber a Copa do Mundo. No ano seguinte, mais bem organizados, eles alugaram um carro de som para fazer barulho na Avenida Paulista e pedir o impeachment de Dilma. À época, políticos relativizaram a importância do acontecimento. “Há um exagero da imprensa em relação a meia dúzia de gatos pingados que defendem a intervenção militar”, disse o tucano Aloysio Nunes. O deputado federal Eduardo Bolsonaro foi na mesma linha: “Não é o momento de pedir intervenção militar”. Dilma sofreu impeachment em 2016. Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 e os entusiastas do golpe se acalmaram.

Após a posse de Bolsonaro, contudo, houve uma mudança na dinâmica desses grupos, que se agregaram em torno de sua figura e passaram a se comunicar habilmente pelas redes sociais. Em 2019, o assunto da intervenção recuperou força quando Lula foi solto após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, STF, de mudar o entendimento sobre prisão em segunda instância. Com a possibilidade de Lula concorrer novamente à Presidência, circularam mensagens falando da aplicação do artigo 142 da Constituição.

Dias antes do primeiro turno, o Google registrou um crescimento nas buscas com a expressão “artigo 142”. O texto da Constituição afirma que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem“. Na interpretação dos bolsonaristas, os militares poderiam agir para restabelecer a ordem, isto é, evitar a posse de Lula, caso fossem solicitados por um dos “poderes constitucionais”. Mas o artigo é vago ao não estabelecer o que seria a “ordem” e em quais circunstâncias os poderes poderiam solicitar uma ação. As dúvidas não impediram que milhares fossem às ruas nos últimos dias com isso em mente. O comparecimento foi muito maior que o registrado em anos anteriores. Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, desfilaram em fila indiana, batendo continência e forçando o passo. Em São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, cantaram o hino com o braço direito levantado, em um gesto similar ao nazista, com todos na direção de um tanque de guerra. O locutor do evento tinha pedido que eles levantassem o braço para “emanar energias positivas”.

As contradições se multiplicaram. A mais evidente delas foi ter brasileiros que se apresentam como defensores da democracia e da liberdade pedindo um golpe militar, o que terminaria por sepultar os valores que defendem. Políticos e jornalistas classificaram os atos como antidemocráticos e ilegais, mas manifestações pacíficas são um direito de todo cidadão. O que vai contra as regras é o bloqueio de estradas. “Em 2011, o STF até mesmo já decidiu que manifestações não são ilegais quando defendem ilegalidades, como a liberação da maconha”, diz o advogado André Marsiglia, colunista de Crusoé. “Ato antidemocrático é aquele que não é pacífico, que impede, por exemplo, o direito de ir e vir.”

Após permanecer 48 horas em silêncio, enquanto as demonstrações ganhando corpo e parando parte o país, Jair Bolsonaro fez enfim um pronunciamento na tarde de terça, 1º. O presidente ressaltou que protestos pacíficos são um direito e, sem muita ênfase, criticou a interrupção das estradas, dizendo que é método da esquerda afetar o direito de ir e vir dos cidadãos. Alguns dos que estavam nas rodovias entenderam a fala como autorização para manter os piquetes. Na quarta, 2, Bolsonaro precisou fazer um segundo discurso, dessa vez com um pedido explícito para que as rodovias fossem liberadas: “O fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas. Está lá na nossa Constituição”. Na quinta, 3, ainda havia dois pontos nas rodovias com o fluxo totalmente impedido e 30 com interdição parcial.

A persistência dos protestos mostra que os manifestantes não estão totalmente subordinados ao presidente, mas são estimulados por seus próprios influenciadores nas redes sociais. Além disso, os brasileiros aprenderam que uma considerável parcela da população rejeita a eleição de Lula e defende um golpe de Estado. Foi uma mensagem dura para o PT e para toda a sociedade brasileira, que ainda verá os desdobramentos disso nos próximos anos.

“Ao contrário dos protestos massivos de 1964, que pediram um golpe militar durante o governo de João Goulart e acabaram conseguindo o que queriam, os atuais não foram endossados por nenhuma instituição. Desta vez, não há qualquer sinal de apoio da Igreja Católica, da Associação Brasileira de Imprensa, da Ordem dos Advogados do Brasil ou das próprias Forças Armadas”, diz o historiador Paulo César Gomes, pesquisador da Universidade Federal Fluminense e especialista na ditadura militar. “Esse movimento atual, portanto, não terá a capacidade de causar uma ruptura na ordem institucional, mas poderá ter forças para desestabilizar o novo governo. Prever o peso que isso terá no futuro é muito difícil.”

Revista Crusoé

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