A exemplo das ilicitudes praticadas de proposito pelo setor de licitação ao omitir valores, não na hora certa, o bambu só geme nas costas do gestor, portando, cabe ao prefeito de Jeremoabo fazer valer a sua autoridade; digo isso porque todas essas denúncias que estão chegando a este Blog, sendo justas e verdadeiras, publicaremos de imediato, não somos o dono da verdade, porém nosso proposito é mostrar onde está o erro para ser corrigido.
(...)
"Adotando-se a premissa de que a corrupção, lato sensu, é um dos principais entraves para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como que a efetiva responsabilização de agentes públicos e privados à luz da Lei Federal nº 8.429/1992, é ponto essencial ao combate a esse fenômeno social malfazejo, adota-se por alvo, prestar auxílio aos operadores do direito que atuam na tutela do patrimônio público e social.
DA RESPONSABILIZAÇÃO DO PREFEITO POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A probidade administrativa é objeto de inquitação no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição Republicana de 1.891. De fato, segundo GARCIA e ALVES, (2013, p.777) com ressalva da Constituição de 1.824, todas as outras previram a possibilidade de responsabilização do Chefe do Poder Executivo responder por violação do trato honesto para com a coisa pública.
Não obstante, assim como nos dias de hoje, era premente a necessidade de criação de mecanismos mais rígidos e efetivos no combate à corrupção e o advento da Carta da Republica de 1988 criou campo fértil à edição da Lei 8.429/1992. Isso porque o Poder Constituinte Originário estabeleceu abertamente a possibilidade de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário por atos de improbidade administrativa, norma constitucional de eficácia limitada.
Nesse contexto, no exercício de sua liberdade de conformação, diante a constatação de que os mecanismos de tutela até então existentes não eram (e ainda parecem não serem) suficientes para a efetiva proteção da probidade administrativa, o legislador ordinário estatuiu inicialmente três gêneros de atos de improbidade administrativa: (i) que importam enriquecimento ilícito; (ii) que causam prejuízo ao erário; (iii) que atentam contra os princípios da Administração Pública.
Apesar do posicionamento remansoso da doutrina em afirmar que o rol previsto na Lei 8.429/92 é meramente exemplificativo, o rol inicial de atos de improbidade foi alterado pelas Leis Federais nº 11.107/2005, 13.019/2014 e 13.146/2015, em verdadeiro exercício de interpretação autêntica, para disciplinar questões alusivas à contratação de consórcios públicos, convênios da Administração Pública com o terceiro setor e acessibilidade de pessoas com deficiência.
Nesse trilhar, no mês de dezembro de 2016 foi editada a Lei Complementar nº 157/16, que, ao tratar sobre uma série de aspectos relacionados ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, alterou a Lei 8.429/92 e concebeu uma nova espécie de ato de improbidade administrativa: decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário. A nova disposição legal, contudo, restou submetida à vacatio legis de um ano, por força do art. 7º, § 1º do citado diploma legislativo.
De todos os agentes públicos – seja sob a perspectiva funcional ou patrimonial - nos parece que o prefeito, por ser a principal autoridade gestora do Município e praticar atos administrativos, celebrar contratos, convênios, autorizar a realização de pagamentos é, em potencial, um principais sujeitos ativos para a prática de atos de improbidade administrativa.
Esta constatação, aliás, é afiançada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que aponta uma série de situações em que mencionado agente político, ao se comportar de maneira desonesta ou grosseiramente culposa, incorreu nas cominações estabelecidas pela Lei 8.429/92: (i) nepotismo, ao nomear familiar próximo para cargo em comissão (REsp 1635464 / MS, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2016), (ii) má utilização e desvio de recursos do Fundef (AgRg no AREsp 673946 / RN, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2016); (iii) fraudes em licitações (REsp 1637839 / MT, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2016), (iv) utilização de dinheiro público e de funcionários da Municipalidade em campanha eleitoral de reeleição ao cargo (REsp 1635407/SP, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2016); (v) contratação de servidores sem a observância do concurso público (AgRg no AREsp 120393 / SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, DJe 29/11/2016); (vi) fracionamento de pagamentos para dispensa irregular de licitação (REsp 1635407 / SP, Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2016); (vii) utilização de jornal oficial do Município para autopromoção (AgRg no AREsp 371808 / SC, Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 27/09/2016), (viii) desvio de finalidade na desapropriação de imóveis rurais (AgInt no AREsp 824675 / SC, Relator (a) p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02/02/2017); (ix) superfaturamento em licitação para aquisição de combustível (REsp 1505260 / RS, Relator (a) p/ Acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 19/05/2016).
4. O DEVER DE FISCALIZAÇÃO DO PREFEITO
A Administração Pública é composta por inúmeros órgãos e agentes, exigindo-se o estabelecimento de critérios hierárquicos para que a função administrativa seja desempenhada de forma eficiente e organizada. No âmbito dos Municípios, de acordo com a Carta da Republica, a estrutura administrativa é chefiada pelo Prefeito e Vereadores, mediante eleição direta, sem intromissão da União ou do Estado em que está circunscrito (art. 29, CF). Segundo Novelino (2014, p. 670), “não há no direito comparado grau de autonomia equivalente ao conferido pela Constituição de 1988 aos Municípios brasileiros.” (Manual de direito constitucional / Marcelo Novelino. – 9. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO , 2014.)
Nessa esteira, caberá ao Prefeito , autoridade máxima na estrutura administrativa do Poder Executivo do município, o dever de cumprir atribuições previstas na Constituição Federal de 1988, além de nomear os secretários de governo e outros agentes públicos de confiança – sejam ocupantes de cargos em comissão ou funções de confiança – cuja atuação, em decorrência do poder hierárquico, deve ser fiscalizada.
Esses agentes públicos nomeados sob a confiança do Chefe do Poder Executivo praticarão atos diversos no desempenho de suas atividades. Os secretários de governo em especial, são auxiliares diretos do Prefeito e executarão desde simples atos ordinatórios até procedimentos de natureza significativa, com reflexos diretos no erário municipal, sempre sob a vigilância do chefe do Poder Executivo.
Um dos efeitos da hierarquia administrativa, de acordo com Carvalho Filho (Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. –. 28. ed. Editora Atlas, p.129), é justamente a fiscalização que o agente superior exerce atividades desempenhadas por agentes de plano hierárquico inferior.
Confira-se também o escólio de Garcia e Alves (2013, p.947) sobre o tema:
A administração pública é organizada com a formação de escalonamentos funcionais, os quais são informados por um princípio de hierarquia, que se desenvolve, em linha ascendente, a partir dos agentes dotados de pouco ou nenhum poder de decisão, até atingir o ápice da estrutura organizatória, ocupado pela autoridade máxima da entidade. Em razão desta forma de organização, o superior hierárquico tem o dever jurídico de fiscalizar a atividade desenvolvida pelo agente que se encontra em um plano inferior, o que, observada a escala de ascendência acima referida, se exaurirá com a função fiscalizatória desempenhada pelo dirigente que ocupa o mais alto posto da estrutura administrativa, que estará sujeito a formas outras de controle que não as advindas do exercício do poder hierárquico.
Há ainda hipóteses em que o dever de fiscalizar será enrijecido em relação ao subordinado, como a possibilidade de delegação de atos administrativos, também decorrente do poder hierárquico. Nessa linha, “pode a norma autorizar que um agente transfira a outro, normalmente de plano hierárquico inferior, funções que originariamente lhe são atribuídas” (CARVALHO FILHO, 2016, p. 179).
Nesse contexto, tem-se notado fenômeno peculiar em determinados municípios brasileiros, em que prefeito delega atribuições graves de sua responsabilidade aos secretários de governo (v.g. homologação de certames licitatórios, celebração de contratos administrativos, dentre outros). Em tais eventos, em que o secretário pratica atos administrativos por delegação do prefeito, entende-se, por razões lógicas, que maior deverá ser a fiscalização exercida pelo agente público superior sobre o subordinado.
Confira-se, a título de exemplo, o enunciado do art. 1º do Decreto Municipal nº 4/2013 de Itapira: “Art. 1º Fica delegada aos Secretários Municipais a competência para autorizar a abertura de procedimentos licitatórios ou de contratações diretas em relação aos assuntos que envolvam suas Pastas, em quaisquer de suas modalidades, com a observância das delegações específicas de que tratam os artigos 4º e 5º deste Decreto e de acordo com o “fluxograma de compras” que fica fazendo parte integrante do presente.” (disponível em http://www.itapira.sp.gov.br/negocios_juridicos/legislacao/arquivos/004-13.pdf, acesso em 23 de maio de 2017.)
No mesmo sentido, os decretos municipais 040/2014 de Bonito/MS, 6.301/2013 de Varginha/MG, dentre outros.
Com efeito, se por força de determinação constitucional ou mesmo por disposição da lei orgânica do Município confere-se especificas atribuições, naturalmente significativas ao mandatário que ocupa o cargo de maior autoridade na estrutura administrativa municipal, maior será a responsabilidade já existente de fiscalizar seu subordinado que pratica este ato imbuído de delegação administrativa.
5 A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO PREFEITO POR ATOS PRATICADOS PELOS SECRETÁRIOS MUNICIPAIS
Em concordância com o dever de fiscalização decorrente do poder hierárquico já abordado anteriormente, questiona-se se, em caso de ato de improbidade administrativa praticado pelo secretário municipal, seria factível a responsabilização do Chefe do Poder Executivo.
É cediço que os atos de improbidade administrativa não prescindem da demonstração do elemento subjetivo na modalidade dolosa, quando ocasionam enriquecimento ilícito ou violação de princípios da administração pública e, ao menos culpa, quando a consequência for a lesão ao erário (artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.249/92). Não se admite, portanto, a responsabilidade objetiva por atos de improbidade administrativa.
Nessa esteira, seria possível imputar ato de improbidade administrativa ao Chefe do Poder Executivo, por ato praticado por secretário, pela ausência de exercício do poder-dever constitucional de fiscalizar os atos de seus subordinados? A resposta parece ser positiva.
No julgamento da apelação cível nº 200081000087198, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região enfrentou o tema, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa em que se debatia a responsabilidade do prefeito por atos da secretária da educação, ocasionando a dilapidação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).
A Quarta Turma do Tribunal, em acórdão da relatoria do Desembargador Federal Lazaro Guimarães, reconheceu a responsabilidade do Chefe do Executivo nesta seara, e foi elucidativo ao fixar as duas seguintes teses jurídicas:
(i) “A necessidade de descentralizar a administração, não retira do representante do Poder Executivo, em qualquer das esferas, a responsabilidade, ainda que de forma indireta, pelas atividades exercidas por seus subordinados, no exercício do poder delegado, já que foi ele o eleito pela população para gerir os recursos públicos”.
(ii) “In casu, conquanto os recursos advindos do FUNDEF fossem administrados e aplicados pela Secretária de Educação do Município, também condenada neste processo, não resta dúvida sobre a responsabilidade do réu/apelante, na alegada malversação de tais recursos financeiros, de modo que se legitima a sua inclusão no pólo passivo desta demanda, pois, à época dos fatos apontados neste processo, estava ele investido no cargo de Prefeito do Município de Caucaia/CE e, nesta condição, tinha o poder-dever constitucional de fiscalizar todos os atos de seus subordinados, inclusive aqueles praticados por delegação de competência”.
Nessa quadra, semelhante posicionamento foi adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação nº 0014378-97.2012.8.26.0047, julgada pela 8ª Câmara de Direito Público da Corte. Confira-se, a propósito, o trecho do voto proferido pelo relator Desembargador Antônio Celso Faria:
“Resta configurada a infração ao art. 11, caput da Lei nº 8.429/92, uma vez que o Prefeito Municipal permitiu que os secretários efetuassem pagamentos sem licitação e também porque sequer determinou que os secretários instaurassem qualquer processo administrativo que justificasse a dispensa de licitação. O Decreto nº 4.781/2005 (fls. 2410/2411) não é suficiente a afastar a responsabilidade do ex-Prefeito, pois seria muito cômodo ao chefe de qualquer Executivo Municipal eximir-se de responsabilidade ante a simples delegação de poder aos subordinados, ou seja, o Prefeito jamais se responsabilizaria pelos atos dos subordinados, mesmo havendo uma prática ilícita comum a todas as secretarias municipais como é o caso dos autos.”
Na mesma linha, o Tribunal de Contas da União, em processo de tomada de contas especial – em que, destaque-se, não apura propriamente improbidade administrativa - já teve a oportunidade de apreciar a matéria em seu encargo fiscalizatório e asseverou didaticamente ser “(...) entendimento consolidado na jurisprudência do TCU que cabe à autoridade delegante supervisionar a atividade dos delegados, e que a atividade pode ser delegada, mas não a responsabilidade da autoridade delegante sobre a execução da atividade”.(AC-10463-33/16-2)
No domínio doutrinário (GARCIA; ALVES, 2013, p. 950-951), a solução vai ainda além do entendimento pretoriano acima citado, aduzindo a possibilidade responsabilização ainda nos casos em que o agente subordinado não atua por delegação, mas nas suas próprias atribuições, vejamos:
O descumprimento do dever de fiscalizar acarretará a responsabilidade do agente, sempre que sua omissão, por força da hierarquia funcional, assumir contornos juridicamente relevantes, contribuindo para o enriquecimento ilícito de seu subordinado, para a causação de dano ao patrimônio público ou para o descumprimento dos princípios regentes da atividade estatal.
Note-se que a omissão juridicamente relevante do superior hierárquico poderá se manifestar tanto quando tenha tido conhecimento do obrar do ímprobo e opta por permanecer inerte, como na hipótese em que tenha tão somente negligenciado em seu dever jurídico de fiscalizar. Enquadram-se nessa última perspectiva de análise os atos que, embora praticados pelo antecessor do agente, continuem a produzir efeitos durante a sua gestão (v.g.: Prefeito Municipal contrata servidores públicos sem concurso, tendo o sucessor o dever jurídico de demiti-los).
O princípio hierárquico e o dever jurídico de fiscalizar que lhe é inerente evidenciam que a escusa do desconhecimento deve ser recebida com grande cautela. Afinal, não é incomum que os ocupantes do alto escalão de poder simplesmente argumentem que desconheciam as atividades ilícitas dos seus subordinados, de modo a eximir-se de responsabilidade. Inerente ao dever de fiscalizar encontra-se o dever de se inteirar da atividade desenvolvida, sendo inconcebível qualquer fiscalização com desconhecimento do objeto fiscalizado. Por outro lado, esse dever somente surge nos limites do razoável, não podendo ser transmudado em justificativa para a responsabilidade objetiva ou, mesmo, assumir proporções inexequíveis para o homo medius, principalmente em se tratando de complexas estruturas orgânicas. O ponto de equilíbrio será encontrado a partir de alguns fatores indiciários, como a demonstração da participação direta do superior hierárquico na escolha do subordinado (v.g.: com a nomeação para a ocupação de cargo em comissão); a proximidade, na estrutura orgânica, entre o superior hierárquico e o responsável pela prática do ato; a importância desse ato para o regular funcionamento da atividade administrativa, o que justificaria a maior atenção sobre ele; a previsibilidade do ato a ser praticado e do resultado lesivo dele resultante; as notícias levadas ao conhecimento do superior hierárquico por terceiros etc.
Identificada a omissão e restando demonstrado que ela contribuiu para o advento do resultado final, já que o agente poderia evitá-lo ou minorar-lhe as consequências, e havendo correspondência entre o elemento subjetivo e a tipologia legal dos atos de improbidade, estará ele sujeito às sanções do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, especialmente à reparação do dano.
Não se pode ignorar ainda, na atualidade, a existência de diversas organizações criminosas profundamente infiltradas no Estado, estruturalmente ordenadas e caracterizadas pela divisão de tarefas, ainda que de maneira informal e muitas vezes compostas por agentes públicos dos mais variados níveis de hierarquia, para a prática de ilícitos contra a Administração Pública.
Na esfera do Direito Penal e Processual Penal, como é cediço, o legislador e o operador do direito são instados a cada dia repensar o modo como deve o Estado lidar com essa nova configuração de delitos, que andam de mãos dadas à improbidade administrativa e ameaçam de forma difusa a coletividade e a própria estrutura estatal.
De fato, o elevado grau de sofisticação com que as irregularidades são perpetradas, aliado a exorbitante poder de corrupção e intimidação das organizações criminosas denotam a premência da criação e atualização dos instrumentos de investigação. Os mecanismos outrora empregados são insuficientes para a assegurar que haja resposta estatal eficaz à violação do ordenamento jurídico. Nesse contexto é que surgem técnicas especiais de investigação como a colaboração premiada, infiltração de agentes, ação controlada, etc.
Nas organizações criminosas, é bastante comum a figura de um autor ou mais autores de escritório, que embora não pratiquem diretamente atos de execução, têm o domínio funcional do fato, com poderes para determinar a imediata realização da empreitada delituosa ou sua cessação.
Conforme esclarece Zaffaroni, essa " forma de autoria mediata pressupõe uma "máquina de poder" , que pode ocorrer tanto num Estado em que se rompeu com a toda a legalidade, como numa organização paraestatal (um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma "mafiosa", por exemplo. ” (Manual de direito penal brasileiro : volume 1 : parte geral / Eugenio Raul Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. — 9. ed. rev. e atual. — São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011 p. 587)
Essa forma de autoria pode ser naturalmente visualizada na esfera da improbidade administrativa e mais especificamente nos atos ímprobos em estudo, de modo que o Chefe do Poder Executivo Municipal, dispondo da grande número de agentes públicos a ele subordinados, determina, v.g., a realização de licitações fraudulentas ou a dispensa indevida de procedimentos licitatórios, sem que formalmente tenha de praticar qualquer ato administrativo.
Nessa quadra, ao se admitir a punição do autor de escritório na esfera penal, cuja intervenção é ultima ratio e pode acarretar na privação da liberdade do infrator, não há qualquer sentido em não se admitir a repreensão no âmbito da improbidade, cujo caráter sancionatório de natureza cível é mais brando (não interfere no status libertatis do infrator). Com efeito, é o caso de se aplicar a antiga máxima de que in eo quod plus est semper inest et minus (quem pode o mais, pode o menos).
Importante aspecto a ser também discutido é a possibilidade de aferição do elemento subjetivo do agente no âmbito da improbidade administrativa sob a perspectiva da teoria da cegueira deliberada. Conhecida também por teoria das instruções da avestruz ou wilfull blindness, possui larga aplicabilidade na esfera do direito penal, notadamente na persecução de crimes de lavagem de capitais (Lei 9.613/1998) praticados mediante dolo eventual.
Confira-se, neste sentido, trecho do voto do Min. Celso de Mello, no julgamento da AP 470:
“No tocante ao crime de lavagem de dinheiro, observou possível sua configuração mediante dolo eventual, notadamente no que pertine ao caput do art. 1º da referida norma, e cujo reconhecimento apoiar-se-ia no denominado critério da teoria da cegueira deliberada ou da ignorância deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida. ”
Esta teoria jurídica impõe o reconhecimento do elemento subjetivo da conduta (na modalidade de dolo eventual) aquele que resolve agir (de forma comissiva ou omissiva), muitas vezes em atividades aparentemente cotidianas, mesmo ante a grande possibilidade de estar cometendo infrações penais. De acordo com Renato Brasileiro de Lima: “Por força da teoria da cegueira deliberada, aquele que renuncia a adquirir um conhecimento hábil a subsidiar a imputação dolosa de um crime responde por ele como se tivesse conhecimento”. (Legislação Criminal Especial Comentada. Editora JusPodivm. 2ª edição. 2014. p. 319)
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em aresto proferido pela 9ª Câmara de Direito Público nos autos da Apelação nº 0009252-56.2010.8.26.0073 em abril de 2014, já apreciou a questão. Mencionado órgão fracionário aplicou a teoria da cegueira deliberada em uma ação civil pública de improbidade administrativa para condenar o então prefeito de um município do interior do Estado por dispensa licitatória indevida.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Prejuízo ao erário devidamente confirmado pelas provas produzidas Contratação de serviços de plantões médicos junto ao Pronto Socorro de Avaré por intermédio de Termo de Parceria, em valor muito superior ao contrato anterior, e sem a realização de licitação - Superfaturamento constatado - Aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada - Ato de improbidade administrativa devidamente comprovado, ante a constatada cavilosidade dos corréus Procedência da ação mantida Diferimento do recolhimento das custas deferido Apelação do réu Joselyr não provida e provida em parte a da ré IBDPH.
Destarte, parece perfeitamente razoável a responsabilização do prefeito por atos de improbidade praticados por secretários municipais, ao se visualizar uma falha no dever de fiscalizar, especialmente no caso de delegação de atribuições originárias. Para tanto, não há óbice à utilização, pelo operador do direito das teorias da autoria de escritório e cegueira deliberada. Impedir tal responsabilização, ao que tudo indica, seria como conceder à autoridade um escudo intransponível, campo fértil para arbitrariedades de toda espécie.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo é a análise da possibilidade de responsabilização do prefeito por atos de improbidade administrativa praticados por secretários municipais. A pesquisa se fundou na análise da jurisprudência dos tribunais e orientação da doutrina especializada a respeito do tema improbidade administrativa e de teorias de feição penal aplicáveis à organizações criminosas.
Pela observação dos aspectos analisados, foi possível concluir que a responsabilização do prefeito por ato de improbidade praticado por seus subordinados será sempre possível quando o Chefe do Poder Executivo Municipal não exercer adequadamente o poder-dever de fiscalização, cuja observância deverá ser mais intensa em caso de delegação. O elemento subjetivo (dolo ou culpa) e a participação do agente político na ilegalidade poderão restar caracterizados também sob a perspectiva das teorias da autoria de escritório ou da cegueira deliberada, de acordo com a análise do caso concreto.