Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Quando a gente diz que o Brasil é o país onde tudo anda de cabeça para baixo, muita gente ri e nos acusa de anacrônico, porque, afinal, jamais na nossa História vivemos momentos tão brilhantes assim.
Bastam dois exemplos desta semana para a réplica. Aqui, são os réus que ditam regras e exalam poder. Celebrou seu aniversário o deputado cassado José Dirceu. Segunda-feira, em São Paulo, no dia seguinte em Brasília. Na paulicéia, num bar, recepcionou três mil convidados. Na capital federal, numa casa de festas, entre centenas de amigos, nove ministros e o vice-presidente da República, com direito à presença da candidata Dilma Rousseff.
O diabo está no fato de que José Dirceu é réu do processo do mensalão, arrastando-se no Supremo Tribunal Federal. Todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa, mas, convenhamos, o homem responde por formação de quadrilha, desvio de recursos públicos e outros crimes. Mais do que comportar-se como um dos príncipes da República, recebe monumentais honrarias da corte.
O outro caso parece mais gritante. Com a prisão decretada duas vezes, milhões de dólares embargados nos Estados Unidos e acusado de corrupção e envio ilegal de dinheiro para o exterior, o banqueiro Daniel Dantas conseguiu o inacreditável: o delegado que o processou está sendo processado, indiciado pela própria Polícia Federal e sob o risco de, além de ser demitido, pegar dez anos de cadeia. Protógenes Queirós não conseguiu engaiolar o réu e corre o risco de ser engaiolado, como réu.
Trata-se, Dirceu e Dantas, de dois cidadãos obviamente ainda não condenados, mas rotulados dessa forma pela existência, no mínimo, de fortes indícios de culpabilidade. Está ou não o País de cabeça para baixo?
Manipulando números
Quem tem razão, o ministro do Trabalho, para quem no mês de fevereiro o saldo de criação de novos empregos foi de 20 mil, ou o ministro do Planejamento, que cita números mais modestos, de nove mil admissões com carteira assinada?
O problema, com todo o respeito, é que ambos se esquecem de que em dezembro foram demitidos 650 mil trabalhadores, e em janeiro, 150 mil. Carlos Lupi e Paulo Bernardo têm todos os motivos para cultivar o otimismo, colaborando para a melhoria do astral no País. Seguem a orientação do presidente Lula, para quem o Brasil foi o último a entrar na crise e será o primeiro a sair dela.
Quem, no entanto, dará conta da vida dos pelo menos 700 mil desempregados? A quantidade pode ser bem maior, porque apenas as grandes empresas relacionam as demissões. As médias e as pequenas, que respondem pela maioria dos postos de trabalho, vão mandando gente embora sem que eles, sequer, possam organizar-se para protestar.
Tomara que sejamos mesmo os primeiros a sair da crise, mas, pelo jeito, vai demorar. Ou os funcionários públicos não estão sendo preparados para aceitar o dito pelo não dito, ou o prometido pelo não prometido, quer dizer, não terão reajuste salarial este ano?
O grande escândalo
Mais chocante do que o Senado dispor de 181 diretores com salários polpudos e 11 mil funcionários, acima e além de a Câmara possuir 104 diretores igualmente bem pagos e 10 mil funcionários, tem coisa pior no reino do Legislativo: ambas as casas do Congresso, somadas, abrigam 20 mil trabalhadores terceirizados. O grave não é dar emprego a tanta gente que precisa dele, mas atentar para que as empresas organizadas para terceirizar segurança, limpeza, assessorias diversas, publicidade e até imprensa recebem milhões dos cofres públicos. Seus empregados, de jeito nenhum, mas seus proprietários, uma fábula.
Agora tem outro problema: é apenas no Legislativo que isso acontece? Nem pensar. No Executivo e no Judiciário as terceirizações são iguais, senão maiores. É esse o grande escândalo nacional, iniciado em tempos bem anteriores aos anos-Lula. Foi no governo Fernando Henrique que essa distorção mais se acentuou, inflada pelos ventos das privatizações desmedidas. Os anos passaram, a crise econômica acaba de demonstrar a importância do retorno aos estados fortes, mas as trágicas consequências do neoliberalismo surgem a cada momento.
A terceirização é uma delas, valendo referir que razoável parte das empresas comprometidas em prestar serviços ao poder público atrasa os salários de seus empregados, não lhes garante qualquer direito e, acima de tudo, empenha-se em obter contratos aditivos de seus flácidos contratantes. Conseguem, sabe-se lá por que. Ou sabemos muito bem, através de parentescos, amizades, comissões e sucedâneos. É assim que muita gente constrói suas mansões...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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