Dora Kramer
Folha
O veto a cerimônias oficiais pode até ser visto como sinal de conciliação, mas não apaga os fatos dos idos de março e o golpe em abril há 60 anos. Os militares sabem disso. Percebem que gestos não substituem a realidade.
E a verdade é que uma ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições. O tempo não as separa, antes exibe um traço de união a ser mantido no radar de todos.
INSPIRAÇÃO – Os golpistas de lá inspiraram os conspiradores de cá. A diferença é que estes se depararam com circunstâncias diversas, e para eles adversas, das que asseguraram o perverso êxito daqueles.
O empenho do presidente Luiz Inácio da Silva na defesa de sua posse e da democracia em geral realmente não combina com a proibição de que o governo promova atos em memória de episódio perverso da quadra brasileira, cuja história é vasta em episódios assemelhados durante o século 20.
Ocorre, porém, que o veto presidencial é aceno dirigido, não impede ninguém, grupo político ou social, de se manifestar individual e/ou coletivamente para marcar a data com a veemência que considerar adequada.
MEMÓRIA VIVA – É o que está acontecendo até em decorrência da decisão de Lula. A partir das críticas a ele, o debate em torno dos acontecimentos e consequências do golpe de 1964 ganhou dimensão correspondente à importância do marco.
Não há uma decisão de Estado que vede homenagens à memória. Não se exige da sociedade que se submeta a uma decisão de governo. Se a liderança tem suas razões para não liderar, os liderados que atuem sem exigências paternalistas.
Lula faz um movimento estratégico, enquanto militares de alta patente são alvos de investigação e prisão sob os ditames do regime civil. Algo inédito, cujo significado não deve ser subestimado, mas visto como resposta compatível com as nossas peculiaridades. Goste-se ou não, é como fazemos.