Ednei José Dutra de Freitas
Noites indormidas são a sua marca. Aos cochilos, permeados de pesadelos, sucede, no mais das vezes, um despertar em meio à madrugada, cuja vigília suscita, na subjetividade do sujeito, o vivenciar do Inferno de Dante – o mundo está cinzento, a tristeza percebida é infinita e se faz acompanhar da percepção de desamparo, inutilidade, irrecuperabilidade do que se julga perdido e um sentimento de vazio interior.
O “último dos seres”, abominável, então sente-se culpado de várias desgraças reais ou ilusórias no presente, no pretérito e no futuro, e aí intui a única saída digna possível: suicidar-se. Espante-se: cerca de 10% dos deprimidos levam a cabo tal propósito.
BUSCA DA FELICIDADE? – Não podemos contrapor a isso uma ideia de felicidade, que, em si, inexiste. Há apenas a comparação com a sua falta. Vem daí a impossibilidade de alcançá-la, e mais a ilusão . Se o sujeito almeja alguma coisa, ou um estado de coisas, irá constatar de duas, uma – ou não alcança o que deseja, ou quando alcança já não pode desfrutar, porque já não o percebe como aquilo que almeja.
Tal fato é cotidiano e inevitável para o indivíduo dito normal e que percebe a falta, faz o luto, a supera, almejando novos desejos, novo estado de coisas, mantendo acesa a chama da ilusão. O deprimido, não! Tal falta e tal decepção o paralisam e seu mundo desaba. Nunca consegue fazer o luto por ter perdido o que nunca teve nem poderia ter possuído. Com isso, perde a faculdade vital de iludir-se novamente e entra em melancolia, um luto patológico que não cessa. Esse é o alimento para a ideia inevitável de suicídio.
DOR E ARTE – A ânsia suicida do deprimido nem sempre é improdutiva. Quando dotado de sensibilidade, ele tenta sublimar a dor traduzindo-a em Arte. E muitas vezes poemas dão indicações de tendências suicidas, avisos óbvios de que o poeta acabará com sua vida um dia.
Há diferenças marcantes em palavras e padrões de linguagem do futuro suicida, quando comparados aos trabalhos de poetas que morreram de causas naturais. Os primeiros usam palavras que indicam o seu distanciamento de outras pessoas, bem como têm exacerbadas as preocupações com si próprios. Nos poemas usam “eu”, “mim”, com muito mais frequência do que os não suicidas. Ao mesmo tempo, reduzem o uso das palavras que conotam algo como “conversar”, “compartilhar” ou “escutar”, à medida que se aproximam de suas mortes, ao contrário dos não suicidas.
LEMBRANDO TORQUATO – Para exemplificar o que disse, vou trazer dois poemas do piauiense Torquato Neto, parceiro de Gilberto Gil e Edu Lobo na década de 1960. Na letra de “Meu choro pra você”, diz Torquato: “Há quanto tempo já não tenho mais / Ninguém para mim / Para me dar tanto amor / Como o amor que perdi / Tanto tempo perdi / Procurando encontrar outro alguém por aí / Por onde andei cansei de procurar / Vê, não encontrei você, não encontrei / Mais ninguém / Quem amou demais nunca mais vai poder amar / O amor que a gente perde um dia / Nunca mais na vida / De novo se tem / Ah, escute bem e saiba logo de uma vez / Que nunca ninguém neste mundo me fará feliz / Como você me fez / Ah! Meu amor”.
E arrematando este festival de beleza e prenúncio suicida, Torquato produziu o poema “Marginália 2”, contrastando pânico e glória, a palmeira símbolo da vida e o medo da morte, sobretudo da morte antes do fim. Leiamos : “Aqui. Meu pânico e glória / Aqui meu laço e cadeia / Conheço bem minha história / Começa na lua cheia / E termina antes do fim / Minha terra tem palmeiras / Onde sopra o vento forte / Da fome, do medo e muito / Principalmente da morte”.