Carolina Brígido
O Globo
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O ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse em entrevista à última edição da “Revista Veja” que “o combate à corrupção não é prioridade do governo” do presidente Jair Bolsonaro. Moro pediu demissão na última sexta-feira com um discurso contundente, no qual acusou Bolsonaro de ter tentado interferir indevidamente na atuação da Polícia Federal.
Na segunda-feira, o ministro Celso de Mello abriu inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar os fatos. Moro também disse à “Veja” que vai apresentar provas ao tribunal para embasar suas acusações.
COAF E PROJETO ANTICRIME – “Sinais de que o combate à corrupção não é prioridade do governo foram surgindo no decorrer da gestão. Começou com a transferência do Coaf para o Ministério da Economia. O governo não se movimentou para impedir a mudança. Depois, veio o projeto anticrime. O Ministério da Justiça trabalhou muito para que essa lei fosse aprovada, mas ela sofreu algumas modificações no Congresso que impactavam a capacidade das instituições de enfrentar a corrupção”, afirmou.
“Recordo que praticamente implorei ao presidente que vetasse a figura do juiz de garantias, mas não fui atendido. É bom ressaltar que o Executivo nunca negociou cargos em troca de apoio, porém mais recentemente observei uma aproximação do governo com alguns políticos com histórico não tão positivo. E, por último, teve esse episódio da demissão do diretor da Polícia Federal sem o meu conhecimento. Foi a gota d’água”, disse Moro à revista.
MOTIVOS LÍCITOS – O ex-ministro reafirmou na entrevista que Bolsonaro não tinha motivos lícitos para afastar o diretor-geral da Polícia Federal Alexandre Valeixo. “Reitero tudo o que disse no meu pronunciamento. Esclarecimentos adicionais farei apenas quando for instado pela Justiça. As provas serão apresentadas no momento oportuno, quando a Justiça solicitar”, declarou.
Moro negou que tivesse interessado em trocar a substituição do diretor da PF por uma vaga no STF em novembro, quando Celso de Mello se aposenta. “Eu jamais faria isso. Infelizmente, tive de revelar aquela mensagem para provar que estava dizendo a verdade, que não era eu que estava mentindo”, afirmou, ao mencionar as mensagens trocadas com Bolsonaro apresentadas ao “Jornal Nacional” logo depois de seu discurso de despedida.
MOTIVOS – Na entrevista, Moro ainda afirmou que nunca teve a intenção de ser algoz de Bolsonaro. “A opinião pública compreendeu o que eu disse e os motivos da minha fala. É importante deixar muito claro: nunca foi minha intenção ser algoz do presidente ou prejudicar o governo. Na verdade, lamentei extremamente o fato de ter de adotar essa posição. O que eu fiz e entendi que era minha obrigação foi sair do governo e explicar por que estava saindo. Essa é a verdade”, afirmou.
O ex-ministro disse ainda que gosta pessoalmente de Bolsonaro e que há vários ministros técnicos no governo. Elogiou especialmente Paulo Guedes, da Economia. “Espero que o governo seja bem-sucedido. É o que o país espera, no fundo. Quem sabe a minha saída possa fomentar um compromisso maior do governo com o combate à corrupção”, completou.
POLÍTICA – Na entrevista, ele descartou novos projetos na política: “Minha posição sempre foi de sentido técnico. Vou continuar buscando realizar um trabalho técnico, agora no setor privado. Não tenho nenhuma pretensão eleitoral. Não me filiei a partido algum. Nunca foi meu plano. Estou num nível de trabalho intenso desde 2014. Quero folga. E não quero pensar em política neste momento”, afirmou.
Moro também ter deixado para trás 22 anos de magistratura em troca de uma “promessa não cumprida de que eu teria apoio nessas políticas de combate à corrupção”. Ele afirmou que não vai voltar para a magistratura e que pretende encontrar um emprego no setor privado.
ATAQUES – O ex-ministro da Justiça também reclamou de estar recebendo ataques depois de ter feito acusações contra o presidente. “Atacaram minha esposa e estão confeccionando e divulgando dossiês contra ela com informações absolutamente falsas. Ela nunca fez nada de errado. Nem eu nem ela fizemos nada de errado. Esses mesmos métodos de intimidação foram usados lá trás, durante a Lava-Jato, quando o investigado e processado era o ex-presidente Lula”, comparou.
Um dos motivos do desgaste de Moro e da direção da PF foi a investigação do atentado que Bolsonaro sofreu durante a campanha. O presidente não acredita que Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho. Crê numa conspiração política patrocinada por adversários. A polícia nunca encontrou nenhuma prova concreta disso. À revista, Moro não descarta essa hipótese. “A suspeita de que pode existir um mandante intelectual do crime não pode ser descartada. Enquanto não se tem a conclusão da investigação, não se pode ter um juízo definitivo”, disse.