Carlos Chagas
Estando a exigência da ficha-limpa nas eleições do dia 3 transformando-se num sonho de noite de verão, por ironia quando chegou a primavera, a pergunta que se faz é por que o presidente do Supremo Tribunal Federal inseriu nos debates a dúvida sobre a validade da referida lei. Afinal, discutia-se apenas se Joaquim Roriz poderia ser registrado como candidato ao governo de Brasília, tendo em vista que renunciara a uma cadeira no Senado para não ter seu mandato cassado, coisa que a lei punia com a proibição do registro.
Cezar Peluso atropelou o voto do relator, Ayres de Brito, levantando tertúlia muito maior, no caso, a validade e a constitucionalidade da lei como um todo. Argumentou que o Senado, a pretexto de promover uma emenda de redação, modificou fundamentalmente o espírito do texto, trocando a punição “aos que tenham sido condenados” pelo verbo “forem” condenados. Tratou-se de emenda de mérito e, assim, o projeto deveria ter retornado à Câmara, para aprovação ou rejeição. Como foi levado à sanção presidencial, ficou a lei prejudicada em sua inteireza, devendo o Supremo rejeitar qualquer apreciação a seu respeito, não apenas o recurso de Joaquim Roriz.
Não adiantou a contestação do ministro Ricardo Lewandowski, apresentando pareceres de filólogos de renome concluindo pelo sentido lato do verbo “forem”, quer dizer, a proibição do registro não se aplicaria apenas aos condenados depois da sanção da lei, mas também a condenações anteriores.
Suspensa a sessão de quarta-feira em função da balbúrdia instalada no plenário, quando quase todos os ministros falavam ao mesmo tempo, a questão ficou para ontem. Mais importante do que saber que a lei da ficha-limpa acabou arcabuzada seria perscrutar porque o presidente Cezar Peluso só agora levantou a dúvida. Afinal, o texto foi sancionado em junho. Discute-se, também, se a mais alta corte nacional de justiça tem o poder de agir ex-oficio, quer dizer, sem ter sido provocada por uma ação. Como guardiã da Constituição, pode? Mas Câmara, Senado e presidência da República deixaram de ver inconstitucionalidade no projeto, pela mudança no tempo dos verbos.
Ainda uma pergunta sem resposta: por que o senador Francisco Dornelles, presidente do PP, criou toda a celeuma, propondo a aparentemente simplória emenda de redação? O problema é que apesar da concordância do jurista Demóstenes Torres, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, abriu-se a dúvida sobre a modificação vir a beneficiar quantos candidatos tenham sido condenados no passado. Inclusive Paulo Maluf, patrono do PP…
Assim estávamos, ontem, antes que o Supremo Tribunal Federal decidisse a questão maior, da validade e constitucionalidade da lei da ficha-limpa, e a questão menor, se ela pode retroagir para prejudicar candidatos condenados antes de sua vigência. Um nó a desatar como poucos em toda a História do Judiciário. Resta indagar quem vai empunhar a espada de Alexandre: Cezar Peluso ou Ayres de Brito?
FAÇAM O QUE EU DIGO…
É milenar o adágio do “façam o que eu digo, não o que eu faço”. Os jornalões não têm limite em sua tentativa de demolir a candidatura de Dilma Rousseff. A moda, agora, é denunciar parentes de ministros e altas figuras da República incrustados no serviço público ou trabalhando em empresas privadas contratadas pelo governo.
Dúvidas inexistem de que a indigitada Erenice Guerra atropelou a ética e traiu a confiança que nela depositavam o presidente Lula e Dilma Rousseff. Afinal, foi abominável nomear marido, filhos, irmãos, sobrinhos e papagaios em diversas repartições públicas, além de facilitar contratos de empresas privadas com o erário.
Tudo, no entanto, tem limite. Acusar o ministro da Comunicação Social porque um filho dele trabalha numa companhia particular que presta serviços ao governo é um pouco demais. Ou muito demais. Denúncias, muitas vazias, que mal caberiam num canto de página, são transformadas em sucessivas manchetes. A queda de um ponto percentual de Dilma Rousseff nas pesquisas é celebrada como sua derrota na campanha sucessória.
Convenhamos, é demais. E quanto à blitz envolvendo a nomeação de familiares, seria bom lembrar que nas empresas jornalísticas… (cala-te boca!).
CENSURA ECLESIÁSTICA
Houve tempo em que os livros, para ser impressos, dependiam de autorização da Igreja. E até autores não ortodoxos iam parar na fogueira. Felizmente essa prática acabou faz muito. Restam, porém, alguns hábitos estranhos. Tome-se o importante debate promovido pela CNBB, na noite de ontem, entre os quatro principais candidatos presidenciais. As regras impostas pelos prelados proibiam perguntas que abordassem escândalos e denúncias. O espírito da proibição pode ter sido louvável, para que os pretendentes ao palácio do Planalto dedicassem suas falas a planos, programas e definições de importância. Mas tanto agora quanto na Idade Média, censura é censura, mesmo entre bispos…
ABSTENÇÕES
Faltando oito dias para as eleições, salta aos olhos uma dúvida que nenhum instituto de pesquisa é capaz de esclarecer, apesar das tentativas. Quantas serão as abstenções nesse universo de 132 milhões de eleitores? Não se fala dos votos em branco ou nulos, mas dos cidadãos que terão ficado em casa ou, mais grave ainda, compareceram às sessões eleitorais e não puderam votar. Afinal, mais uma dificuldade acaba de ser criada pela Justiça Eleitoral: além do título, o eleitor estará obrigado a apresentar outro documento no qual conste sua fotografia. Parece fácil de mandar, mas não será difícil de cumprir? Melhor teria feito o Tribunal Superior Eleitoral se, alguns anos atrás, tivesse determinado a mudança de todos os títulos de eleitor, obrigando trazerem a fotografia do portador. Custaria caro, mas para evitar abstenções, teria valido à pena.
Fonte: Tribuna da Imprensa